domingo, 9 de outubro de 2011

Currículo no Ensino das Ciências e Formação de Professores

Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds - Professor de Física e Astronomia, UFRPE)




É comum para educadores que gostam de trabalhar com Currículos que se comportem como aqueles indivíduos que passam receitas para os outros executarem. Eles são os famosos “doadores de regras”, para não usar aqui a expressão popular ainda mais apropriada, mas impublicável, que me vem logo à mente.
Mas, qual o problema com isso de "ditar regras" para os outros cumprirem?
O problema é que infelizmente na maior parte das vezes, um Currículo não passa de um amontoado de boas intenções que são receitadas para que outras pessoas as cumpram, mesmo sem as mínimas condições de fazê-lo a contento.
E então professor? De hoje em diante o senhor será um construtivista, porque eu estou ordenando. Entendeu?

Certamente um currículo é, em tese, muito mais do que um mero elenco de recomendações, diretrizes, conteúdos e metodologias; abrangendo, assim, uma ampla gama de outros fatores de ordem social e econômica.

Mas, isso é em tese, pois na prática poucos currículos passam do estágio meramente prescritivo.

E nessas condições, de quase descaso com tudo o mais que fuja das simples prescrições, entram em cena vários empecilhos à sua boa execução:

As condições materiais da escola.

Os baixos salários dos professores.

Suas elevadas cargas de trabalho.

A qualidade do relacionamento com a direção da escola e com os estudantes, etc.

Mas, há também dois outros fatores adicionais, igualmente importantes e geralmente também negligenciados:
1.      A formação desse professor encarregado de cumprir as tarefas que o bem intencionado educador que planejou o belo currículo reservou para ele independentemente de sua possibilidade e de suas condições reais  de trabalho.
2.      O acesso a materiais que tentem se constituir em exemplos reais das muitas coisas revolucionárias constantes no currículo e não apenas o simples acesso a mais outro conjunto de belas diretrizes meramente prescritivas.
A Educação vai mal neste país não por falta de bons currículos, de boas receitas, de boas intenções, de falta de regras. Ela vai mal por falta de condições objetivas para colocar na prática tantas boas intenções.
Tome-se como exemplo o ensino de ciências e suas mais recentes e utópicas recomendações curriculares governamentais. Algumas das muitas e belas coisas propostas em tais currículos são:
1.   Uma valorização de um tratamento interdisciplinar, transdisciplinar e multidisciplinar dos conteúdos abordados.
2.   Uma valorização da ligação da ciência com os temas da realidade cotidiana e atual.
3.   Uma valorização da evolução histórica destes mesmos conteúdos e seus significados filosóficos mais profundos.
4.   Uma atenção especial nas relações dialógicas entre os diversos atores do processo educacional na busca da construção de um conhecimento mais significativo e emancipador do ser humano.

E outras coisas mais ainda poderiam ser acrescentadas a este verdadeiro rosário de boas intenções curriculares que termina, infelizmente se transformando, entretanto, na maior parte dos casos, em um simples palavrório vazio e em uma total inação prática pedagógica.
Dentre os muitos problemas importantes acima apontados, há de se escolher algum deles para ao menos tentar propor alguma ação prática. Afinal, mais vale acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão.
Tomemos, por exemplo, as recomendações de que os conteúdos científicos devam ser preferencialmente tratados de modo mais abrangente e mesclados a temas diversos da realidade.
Qual o Currículo de ciências recente para a Escola que não contém esta recomendação?
Nenhum! Certamente, nenhum! Dos mais modestos aos mais ambiciosos, todos recomendam isso.
As belas recomendações curriculares dos PCN estão na estrada há vários anos. E quais as transformações reais ocorridas, desde então, no cotidiano das salas de aula por esse imenso país chamado Brasil?
Quando se tem diante de si uma realidade de agruras como a da educação brasileira de pouco adianta sonhar que o professor mal formado e mal pago vai dormir indutivista ingênuo e acordar no dia seguinte com uma cabeça construtivista ou com outro modismo mais recente a lhe guiar o caminho, apenas porque uma autoridade educacional assim tenha colocado em um novo Currículo.
Formações de professores são costumeiramente organizadas dentro de velhas diretrizes de conteúdos e de metodologias pedagógicas para que delas possa surgir o novo. Como?
Impossível!
Se o professor não sabe um certo assunto e não consegue obviamente ensiná-lo de qualquer modo que seja, e muito menos dos novos e revolucionários modos idealizados no Currículo, o que fazer, então?
Organizam-se frequentemente velhos cursos de capacitação em moldes antigos, sem quaisquer das aludidas ligações previstas no currículo e se repassa a esses professores aquele velho conhecimento para que ele vá operar sozinho e desarmado em suas salas a nova revolução educacional do momento.
Isso não é apenas uma utopia, mas sim uma hipocrisia.
Um exemplo vale mais do que mil palavras!
Mas, como se dão, em geral, tais capacitações pedagógicas?
A regra é clara: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço!
Portanto, em vez de grandes sonhos megalomaníacos curriculares, eu continuo pensando que mais vale um exemplo do que mil palavras.
Se como educador consciente e responsável não posso resolver na prática boa parte desses problemas, de que adianta ficar planejando para que outros hipoteticamente o façam?
Por isso, prefiro uma pequena ação concreta a mil palavras de planejamentos empolados. Recomenda-se frequentemente aos professores que façam ligações concretas dos assuntos já tradicionalmente lecionados. É o modismo da interdisciplinaridade para o vizinho executar.
Como se faz isso? Como se mistura o gato com o sapato?
Girafa é da mesma família do poste? Ambos têm pescoço comprido.
Em lugar de divagar, vamos aos tão reclamados exemplos concretos. Certo de individualmente poder fazer muito pouco para sanar ainda que levemente esta situação educacional; recuso-me, entretanto, a ser mais um simples planejador das ações alheias. Prefiro trabalhar consistentemente, ainda que em escala bastante reduzida para tentar dar uma pequena e humilde contribuição.
O que posso fazer?
Quem sabe dar alguns dos exemplos que cobro que os currículos exigem sem fornecer.
Como se pode, mesmo, tentar misturar o gato com o sapato?
É neste sentido que pretendo postar neste BLOG uma série de pequenos artigos tópicos tratando de forma interdisciplinar alguns conteúdos de Física apresentados em forma de questões e possíveis respostas.
É pouco! É muito pouco mesmo diante do enorme quadro de muitas agruras da atual Educação em Ciência no Brasil. Mas, ainda assim, é um pouco mais do que a completa inação de alguns ou do que a mera prescrição de receitas de outros tantos.
Mas, como o pássaro daquela estorinha que tenta levar em seu bico um pouco de água para apagar o incêndio da floresta e se vê confrontado com a crítica à sua quixotesca ação concreta; posso dizer também, assim como ele, que sei que não vou apagar o incêndio; mas que estou apenas tentando fazer a minha parte e não planejando que outros a façam por mim.
Convido, portanto, os colegas a acompanharem a humilde Coleção de TEXTOS sobre a FÍSICA no DIA A DIA que pretendo iniciar neste BLOG.
Começo a postar a minha lista ainda hoje com alguns TEXTOS sobre LUZ e AVALIAÇÃO DE DISTÂNCIAS no dia a dia. Outros diferentes ainda virão nos próximosa deias e meses.
Críticas serão sempre bem vindas e as alternativas concretas mais ainda.


PARA CITAR ESTE TEXTO: Medeiros, Alexandre.  Currículo no Ensino das Ciências e Formação de Professores. BLOG Física e Astronomia_Alexandre Medeiros.
http://alexandremedeirosfisicaastronomia.blogspot.com/2011/10/curriculo-no-ensino-das-ciencias-e.html Acessado em 11 de Outubro de 2011. (alterar a data)



2 comentários:

  1. Prezado Alexandre, acho que você postou a questão da forma certa. Lembrei-me daquele Encontro de Ensino de Física ocorrido em Campina Grande, em 1993, no qual você também estava presente, e numa palestra alguem fez exatamente isto que você comentou: apresentou um verdadeiro receituário de como um professor devia se comportar e atuar em sala de aula para que os seus alunos, ordeiramente, pudessem aprender. Na plenária estavamos nós e o Lima, nosso grande amigo, recetemente Secretário de Educação de Sergipe. Ele foi anotando todas os indicativos de como um professor deveria se comportar para ser um bom professor. No final da palestra ele olhou para mim e disse: "é humanamente impossível que um professor seja tudo isto de uma só vez". Havia mais de 40 itens anotados por ele. Quem estava palestrando, um desses teóricos da vida que, muitas vezes nem foi a uma sala de aula, seja do Ensino Médio ou mesmo do Ensino Superior. Uma outra passagem, também com o Lima, quando estava cursando o meu Mestrado em Educação, na UFS - Sergipe, em 1994, eu e o Camêllo, nosso amigo comum, tentamos abrir uma discussão com o Lima, para uma proposta nossa em iniciar um Laboratório de Física no EXATUS (você se lembra de que falo). Apresentamos ao Lima, uma proposta onde deveríamos realizar em torno de 40 a 50 experimentos de Física, durante aquele ano, com o objetivo de aproximar mais o discurso da sala de aula com o dia a dia dos alunos. O Lima sorriu e nos disse: "por que vocês não iniciam realizando 1 ou 2 experimento no primeiro semestre e mais 1 ou 2 no segundo, desde que bem elaborados e bem pensados?. No ano seguinte, vocês vão aumentando, gradativamente, a quantidade de experimentos. Quando pensarem que não, estarão realizando os 40 ou 50 experimentos, passados alguns anos. Caso contrário, não conseguirão". Nós optamos por tentar os 40 ou 50 e o resultado foi o mais desastroso possível, ou seja, não chegamos a realizar nem o quinto experimento e veio a desistência. O que quero com isto é concordar com você, no sentido de que, quase sempre não se consegue avançar porque as propostas são, na verdade, irreais. Concordo que se deva começar, porém, com os pés no chão e com propostas factíveis ao alcance do professor e dos limites da escola. Quero louvar a sua iniciativa. Com certeza, teremos belíssimos textos, uma vez que conheço vários outros seus. Grande abraço, caro amigo.

    ResponderExcluir
  2. Profa Arine Lyra - UPE11 de outubro de 2011 às 06:37

    Prezado Alexandre, visito seu blog como sugestão do amigo Severino, e como sabia que iria aprender mais. Muito bom! Acredito que suas opiniões sobre os currículos são bem oportunas. Abs e sorte.

    ResponderExcluir