Alexandre Medeiros
“CAUSOS” DE PROFESSORES
O Discurso Inflamado de Irmão
Irmão era um cara puro, ingênuo, caladão e ensinava português. Todos nós gostávamos dele. Não me lembro exatamente do seu nome; todos o conheciam, simplesmente pela sua profissão de fé e pela sua atitude prudente de não se meter nunca em política.
Lá pelos idos de 1978 estoura uma greve de professores em Pernambuco; a primeira em duas décadas de repressão.
Nós professores vamos a um piquete na porta de um colégio onde o padre Fulano era o diretor e que havia garantido que o colégio dele não ia parar as atividades.
Naqueles tempos isso era uma questão de honra para nós. Em plena ditadura militar, parar ou não parar aquele colégio era equivalente a fazermos ou não fazermos a revolução social tão almejada.
E lá fomos todos nós professores para a porta do tal colégio fazer o nosso protesto. Até carro de som apareceu no local. Armamos um banquinho e nos revezávamos, um a um, nos nossos discursos de protesto.
Irmão, no canto, olhava tudo aquilo calado.
Todos nós já havíamos falado, mais ou menos as mesmas coisas e até agora nada de novo havia acontecido.
No fundo, nossos discursos eram um tanto contidos pelo medo da repressão e não dizíamos exatamente tudo aquilo que tínhamos vontade. E a coisa não surtia o efeito desejado.
De repente, Irmão se levanta e diz:
– Eu vou falar!
Todos nós nos viramos espantados, afinal a simples presença de Irmão naquele protesto já era por si só uma surpresa. Mas, tudo bem, se ele queria falar, ótimo! Vai ver que ele queria fazer alguma oração pelo fim da greve, pensaram alguns.
Irmão pega o microfone, deixa o banquinho de lado, sobe corajosamente no muro do colégio e abre o berreiro para espanto de todos nós:
– Padre Fulano, Padre Fulano, o senhor está me ouvindo? Padre Fulano, o senhor é um fascista! Um fascista!
A surpresa geral se transforma em aplausos entusiasmados. Irmão, na sua pureza e no seu ar contido, havia dito o que nenhum de nós havia tido a menor coragem de falar.
Aplausos frenéticos e gritos de entusiasmo são ouvidos pela rua. De repente, alguns mais apressados militantes já começavam a vislumbrar em Irmão o nosso novo líder, o líder da revolução socialista.
Irmão sorri de felicidade vendo o sucesso daquelas suas palavras e resolve prosseguir o seu discurso inflamado.
Todos nós atentos para o que mais poderia vir. Irmão toma um fôlego e berra mais uma vez:
– Padre Fulano, eu queria lhe dizer mais. Eu queria lhe dizer muito mais.
Naquele suspense, todos nós já imaginando o que poderia vir agora. O que será que o nosso novo líder iria dizer. E irmão prossegue então de forma eloquente o seu discurso inflamado:
– Padre Fulano, eu queria dizer, também, que o senhor é um nazista!
Mais aplausos são ouvidos pela rua; gritos sentidos de emoção. Todos ouvindo abismados o seu novo líder discursar.
Irmão toma mais um fôlego, raspa a garganta e solta de novo o verbo:
– Padre Fulano! Eu quero dizer muito mais: o senhor também é um comunista! O senhor é um fascista, um nazista e um comunista!
Nós todos ali, perplexos, ouvindo aquela loucura, gritamos quase ao mesmo tempo:
– Desce Irmão! Está bom! Chega!
Irmão desce do muro ainda espantado com a reviravolta da nossa opinião sobre o seu inflamado discurso e novamente vai para seu canto sem dar mais uma palavra.
A greve não deu lá o resultado que nós esperávamos; ganhamos pouco em relação ao que reivindicávamos; mas, ao menos por quinze segundos nós tivemos um líder revolucionário.
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