terça-feira, 11 de outubro de 2011

Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Segunda Parte)

Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds – Professor de Física e Astronomia, UFRPE)




De volta do almoço, pula à minha frente, novamente, a caixinha de bate-papo no FaceBook:
– E então professor? Como é? A ideia de Energia Escura nasceu na Relatividade Geral?
– Bem, a ideia de Energia Escura, tal como ela é hoje em dia, ou seja, um construto criado para explicar a aceleração da expansão do Universo não é exatamente a mesma que Einstein sugeriu em sua Teoria da Relatividade Geral, mas guarda uma forte semelhança.
– Como assim? Não entendi! O Einstein propôs ou não propôs originalmente essa ideia de Energia Escura?
– Ele propôs algo bem parecido, mas não exatamente a mesma coisa. É que o Einstein NÃO acreditava originalmente em um Universo em expansão. O motivo para isso era em parte derivado de sua religiosidade cósmica, ou mais precisamente, do seu panteísmo, da influência por ele recebida da leitura dos escritos de Spinoza.
– Professor, eu não entendi nada de nada do que o senhor disse. O que é que isso da Energia Escura pode ter a ver com a religiosidade dele? O que é esse negócio de panteísmo e quem foi esse tal de Spinoza?
– Calma vamos, por partes! Einstein foi muito religioso até os doze anos de idade, isso segundo ele mesmo conta. Essa história da religiosidade do Einstein está contada naquele nosso livro “Einstein e a Educação”. Após os doze anos, tendo lido Spinoza, ele sofreu forte influência do pensamento desse filósofo holandês de origem judaica. Spinoza foi um filósofo do século XVII (1632–1677), contemporâneo de Newton e que defendia a coincidência entre Deus e a Natureza. Para ele, Deus não reinava sobre a Natureza; Deus seria a própria Natureza. Essa doutrina se chama de panteísmo. Spinoza foi muito combatido em sua época tanto pelos cristãos quanto pelos judeus. Einstein pensava de modo muito parecido, mas um pouco diferente. Einstein não acreditava que a ordem matemática existente no Universo fosse apenas produto do acaso; mas identificava Esta Ordem matemática existente na Natureza e não a própria Natureza com Deus.
– OK, Deu para entender. Mas, o que é que isso tem a ver com a sua concepção de Universo e mais ainda com a Energia Escura?
– Calma! Você vai entender, logo. Einstein não acreditava em um Deus que interferisse nos destinos da Natureza e muito menos em um Deus que se envolvesse no destino dos homens, como é o Deus dos judeus, dos cristãos e dos mulçumanos. Esse que se mete até em resultados de partidas de Futebol.
– Risos ...
– Pois bem! Apesar de Einstein ser judeu e muito apegado às tradições culturais judaicas, ele não se mostrava inclinado a aceitar o Deus dos judeus. Essa antropoformização da figura divina, por várias vezes ele classificou como algo simplesmente infantil.  Assim sendo, por não acreditar em um Deus que rege sobre a Natureza ou em um Deus Criador do Universo, Einstein se via compelido a conceber um Universo Eterno e, portanto sem momento de criação e sem um fim.
– OK! Isso parece interessante. Mas, novamente, o que isso tem a ver com a Relatividade Geral?
– É que as equações da sua Teoria da Relatividade Geral, ou seja, da Teoria da Gravitação, indicavam que a atração gravitacional da matéria produziria necessariamente um Universo em contração. Para evitar este inevitável colapso do Universo, Einstein postulou a existência de uma misteriosa “força antigravitacional”. Mas, não para garantir a expansão do Universo; apenas para equilibrar a força da gravidade.
– E a Energia Escura, como aparece?
– Veja! Essa “força antigravidade” aparece em suas equações na forma de uma constante de correção à qual ele denominou de constante cosmológica. É neste sentido, de ser uma misteriosa força que se opõe à força gravitacional, que a sua constante cosmológica pode ser tida como uma legítima precursora da ideia posterior de Energia Escura.
– Entendi! Legal! Mas, Einstein continuou pensando assim até a sua morte?
– Não! Logo após conhecer os resultados das observações astronômicas do astrônomo americano Edwin Hubble em 1929, ele mudou de ideia e chegou mesmo a afirmar que a tal constante cosmológica havia sido o seu maior erro. Ele admitiu, a contragosto, que o Universo parecia mesmo estar mesmo em expansão como um resultado de uma “explosão inicial”, como outros passaram a defender. E, assim, sendo, a sua constante cosmológica já não tinha nenhuma razão de existir. Ele a abandonou para sempre. Mas, ela retornou, após a sua morte tempos depois, agora reformulada como a tal da Energia Escura. Mas, isso foi bem recentemente e ainda há muito que dizer até que possamos entender de onde veio essa conclusão.
– O Hubble mostrou que o Universo estava em expansão, não foi?
– Não, exatamente! Isso é o que muitos dizem, mas está errado. Hubble começou ampliando os limites do Universo. Os novos e poderosos telescópios (como por exemplo, o do observatório do Monte Wilson, na Califórnia) já haviam revelado que muitas “nebulosas”, coisas que até então eram tidas apenas como nuvens de gases, eram, na verdade, compostas de inúmeras estrelas. Mas, surgiu então o grande debate sobre onde estariam localizadas esses tais aglomerados de estrelas.
– Como assim?
– Até então o Universo era a Via Láctea. Ou seja, supunha-se que tudo que era observado estava dentro da Via Láctea. Mas, ao se perceber que aquelas “nuvens” ou “nebulosas” eram na verdade um enxame de estrelas, muitos se perguntaram se elas não seriam outras galáxias fora da nossa. Algo, como Universos-ilhas, para usar uma velha expressão que o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) já utilizara no século XVIII de forma intuitiva.
– E quem ganhou essa parada?
– Claro, que foram os defensores dos novos Universos-ilhas. E isso aumentou imensamente os limites do Universo imaginado. Mas, para isso foi necessário determinar a que distâncias estavam as tais “nebulosas”.
– E quem conseguiu isso?
Edwin Hubble!
– Puxa, professor! Quer dizer que o Hubble inventou um método de determinar aquelas distâncias? O cara era macho, mesmo!
– Você, agora, foi preconceituoso e acabou de cometer um grave erro.
– Preconceituoso, eu? Não, nunca! Por que?
– Porque você se referiu ao aparente sucesso imaginado para o Hubble atribuindo isso à característica exclusiva de ele ser macho. E ...
– Isso é só uma maneira de falar, professor. Eu estava apenas brincando, mas qual foi o meu erro?
– O erro foi supor que Hubble tenha descoberto esse método de determinação das distâncias das estrelas. Não foi ele quem descobriu o método. Ele foi, na verdade, muito feliz ao encontrar algo que se adequava perfeitamente ao tal método previamente criado por outra pessoa. Sem dúvida, ele teve seus méritos nessa descoberta, mas não o da criação do método.
– Tudo bem, professor. Eu retiro o que disse antes. Macho, mesmo, foi o cara que criou esse tal método. O Hubble fez apenas a parte dele. Mas, quem foi esse cara, bom de tapa?
– Foi uma cara! Não foi um cara! Seu nome era Henrietta Leavitt.
– O que? E como ela fez isso?
– Observando placas fotográficas oriundas do Observatório de Arequipa, no Peru, ela descobriu que um grupo de estrelas variáveis, ou seja, estrelas cujo brilho oscilava, parecendo pulsarem, apresentava uma relação de proporcionalidade nessa pulsação. Essas estrelas pulsavam com períodos proporcionais ao seu brilho.
– Mas, eu não imagino como isso possa servir para determinar distâncias de estrelas.
– Pois, a Henrietta Leavitt imaginou! Está vendo?
– Está vendo o que, professor?
– Nada! O fato é que o trabalho feminino sempre foi desvalorizado na Ciência. Mas, se formos entrar nesse assunto dá outra conversa ainda mais longa. O que importa no momento, é que ela intuiu, muito inteligentemente, que isso permitiria medir distâncias se você conhecesse uma estrela daquele tipo cuja distância já fosse anteriormente conhecida. Neste caso, poder-se-ia usar essa tal estrela como sendo uma espécie de “vela padrão”.
– O que danado é isso de “vela padrão”, professor?
É uma estrela semelhante a outras (cujas distâncias se quer medir) e cuja distância à Terra já é conhecida. Ela serve de comparação para se determinar as distâncias das outras semelhantes a ela. Se você sabe que uma estrela daquele mesmo tipo está a uma distância diferente, basta comparar os seus brilhos e levar em conta a lei do inverso do quadrado para a variação do brilho aparente. A mesma coisa se faz ainda hoje em dia usando ouros tipos de “vela padrão”. Para distâncias bem maiores se usa explosões de supernovas do tipo Ia, como esses três pesquisadores que ganharam agora o Nobel fizeram em 1998. Para determinar a recessão acelerada das galáxias longínquas, eles usaram esses dados em combinação com os dados do efeito Doppler.
– Para, para! Estou voando nesse tal negócio de “vela padrão” ainda e agora no tal do “efeito Doppler”. Como é isso, mesmo?
– Veja essa figura que estou lhe enviando por e-mail.
– Para que e-mail professor? Bota ela no seu Mural do Facebook que eu estou olhando para ele.
– OK! Acabei de fazer isso! Já viu? Não é incrível? A figura ilustra como os brilhos de estrelas semelhantes à nossa “vela padrão” vão caindo com o inverso do quadrado da distância.



– Mas, qual era a vela padrão que o Edwin Hubble usou para achar a expansão do Universo?
– Ele usou um tipo de estrela semelhante às que Henrietta Leavitt havia estudado antes para achar a sua relação matemática entre o brilho e o período de pulsação de suas estrelas variáveis. Logo depois do estudo dela, um astrônomo chamado Ejnar Hertzprung descobriu algumas estrelas do mesmo tipo e que cujas distâncias poder-se-iam determinar por outros métodos mais antigos na constelação de Cefeu. Dai elas se chamarem de “cefeídas”. São estrelas variáveis, exatamente como aquelas que Henrietta Leavitt havia estudado. E é aqui que entra o Edwin Hubble.
– Como?
– Ele descobriu algumas estrelas desse mesmo tipo “cefeidas” em uma nebulosa cuja distância se colocava em questão. E ele mostrou, usando o método de Henrietta Leavitt, que as tais estrelas estavam a milhões de anos luz da Terra, ou seja, que elas não podiam estar no interior da Via Láctea. Subitamente, o Universo que se reduzia à Via Láctea, cresceu de tamanho.
– Isso é a tal expansão do Universo, falada?
– Não! Eu falei de forma metafórica. O que eu disse foi que o ser humano percebeu que o Universo era muito maior realmente do que apenas a Via Láctea. Que aqueles aglomerados de estrelas eram outras galáxias como a nossa e muito mais distantes de nós. Foi isso.
– Mas, Hubble não descobriu a expansão do Universo?
– Não, exatamente! Mas, ele colaborou decisivamente para que outros afirmassem isso.
– O que o Hubble fez, então?
– Bem, isso já foi um outro trabalho dele. Não confunda! Ele fez a luz de estrelas distantes passar em um espectroscópio obtendo assim as suas raias espectrais. Uma espécie de impressão digital da mesma.
– Por que impressão digital?
– Porque cada elemento químico tem a sua própria e inconfundível assinatura que é o seu conjunto de raias espectrais em posições bem definidas. A luz proveniente de uma estrela nos mostra, assim, a composição química de sua atmosfera gasosa de onde provém a luz. Veja essa outra figura que acabei de postar. Ela mostra a luz proveniente da queima de cloreto de sódio e o que acontece quando se passa essa luz por um prisma. Veja as raias que se formam no seu espectro. Isso é o que a gente chama de um espectro de emissão. Sacou?


– Saquei! Quer dizer que analisando assim a luz das estrelas a gente também pode descobrir a sua composição química?
– Isso, mesmo!
– Tudo bem! Mas, e a expansão do Universo?
– Observe na figura do espectro anterior que de um lado está o vermelho e do outro lado está o azul. Cada elemento tem o seu conjunto de raias, mas quando a fonte de luz está em movimento em relação ao observador essas raias se compactam para um lado e se separam para o outro. Se compactam para o lado das frequências maiores, que é o lado do azul, e se espalham para o lado das frequências menores, que é o do vermelho. Isso é o que a gente chama de efeito Doppler.
– Por que isso acontece?
– Porque a luz é uma onda e seu espectro sofre a ação do deslocamento da fonte emissora em relação ao observador como no caso do som. Veja como é o efeito Doppler no caso do som. Suponha que você encontra-se parado em uma rua e uma ambulância vem com a sirene ligada em sua direção. Ou que um carro de fórmula 1 ou uma motocicleta vem chegando e passa por você. Lembre-se do ronco do motor. Como é que ele se altera? O som é sempre igual?
– Não! Ele se altera, mesmo. Quando a moto vem chegando ela faz iiiiiimmmm... E quando ela passa e se afasta da gente ela faz oooommmmm .... Não é?
– É! E o que é esse iiiimmmmmmm? E esse oooommmmmm? O primeiro é um som mais agudo, de maior frequência, o iiiimmmmm e o outro, o oooooommmm, é um som mais grave, de menor frequência.
– Mas, por que isso acontece? Por que a frequência do som que nós ouvimos muda tão claramente de um som agudo quando a fonte sonora se aproxima de nós para um som grave, quando ela se afasta? Por que ao se aproximar ouvimos um som de alta frequência e ao se afastar a frequência desse mesmo som diminui?
– Porque as ondas se empacotam umas sobre as outras quando a fonte de ondas se aproxima e essas mesmas ondas se afastam umas das outras quando a fonte se afasta. Veja a figura que segue. Ela mostra uma moto se aproximando de um observador e se afastando de outro. Observe o que ocorre com as ondas. Veja o empacotamento das frentes de onda do lado que se aproxima do observador e o afastamento dessas frentes de onda do lado que se afasta do observador. Sacou?


– Que legal professor! Entendi. Mas e com a luz?
– Com a luz acontece algo semelhante, ou seja, ela também apresenta o efeito Doppler que nada mais é que a influência do deslocamento da fonte em relação ao observador na definição do comprimento de onda e da frequência que será percebida pelo referido observador. Só que frequência mais alta no caso da luz significa que as raias espectrais se deslocam para o lado azul e a fonte então deve estar se aproximando do observador. O que se denomina então de deslocamento para o azul.
Veja a figura que segue agora. Ela representa exatamente o efeito Doppler para a luz.


– Entendi! Quer dizer que se uma estrela estiver se afastando de nós o seu espectro vai apresentar todas as suas raias espectrais deslocadas em conjunto para o lado vermelho, o lado das menores frequências.
– Isso, mesmo! Bom garoto! Risos ...
– Então, deve ter sido isso que o Edwin Hubble percebeu ao observar a luz das estrelas distantes.
– Exatamente isso! Quanto maior eram as distâncias das estrelas por ele observadas, maior era também o “deslocamento para o vermelho” de seus espectros. Agora, note que são duas coisas separadas.
– O que?
– A determinação das distâncias das estrelas e a determinação do deslocamento para o vermelho dos seus espectros. São coisas bem distintas uma da outra.
– Entendi! As distâncias das estrelas o Edwin Hubble determinou usando aquele tal do método da vela padrão que a Henrietta Leavitt iniciou e o Ejnar Hertzprung completou.
– Isso! E o deslocamento para o vermelho?
– Esse deslocamento para o vermelho ele achou observando o espectro da luz e como as raias se deslocavam em conjunto.
– Muito bem! Você leva jeito!
– Obrigado, professor, mas eu ainda estou encucado com o fato de o senhor haver dito que esse deslocamento para o vermelho não implicava para Hubble em um afastamento das galáxias. Eu sempre pensei que havia isso que ele havia descoberto. Essa não é justamente a interpretação conferida a esses dados com o auxílio do efeito Doppler que o senhor acabou de falar?
– Exatamente! E outros interpretaram assim, mas não Hubble. Ele era um indutivista convicto e não queria dizer nada mais do que os dados lhe permitiam. A interpretação desses dados do deslocamento para o vermelho como um sinal da expansão do Universo foi obra de outros. Ele mesmo acreditava em um outro tipo de explicação, mas também nunca lutou por ela. Era a chamada ”teoria dos fótons cansados”. Mas, ao final ele aceitou de bom grado a interpretação vencedora dos seus dados. E vaidoso como ele era, aceitou também de bom grado as honrarias que lhe foram conferidas por ele haver supostamente descoberto algo que ele, de fato, nunca disse. Sacou?
– Tudo bem! Mas, seja como for, essa interpretação do deslocamento para o vermelho da luz das estrelas distantes como sendo um sinal de que o Universo está em expansão terminou por se impor, não foi, professor?
– É verdade, mas houve muita resistência. Por melhor que fosse o argumento do efeito Doppler, outros não concordaram com ele de imediato e a Teoria do Universo Estacionário do inglês Fred Hoyle dominou até 1968, quando foi finalmente destronada pela Teoria do Big Bang.
– Como a teoria do Big Bang se impôs professor? E por que não se aceitou ela, logo, de imediato? E como a questão da Energia Escura voltou à cena depois da desistência de Einstein do seu conceito de constante cosmológica? E onde entra nessa história a tal da matéria escura?
– Bem, nós já estamos bem perto de chegar ao ano 1998, quando se deram as descobertas que levaram ao premio Nobel de 2011. Já chegamos aos anos 60. Mas, realmente, ainda falta muita coisa para lhe contar. Eu vou descansar um pouco e amanhã continuo essa história, ok?
– OK, professor! Amanhã teremos outro capítulo dessa novela; a novela da Energia Escura.
– É verdade! Amanhã a gente deve chegar ao terceiro e último episódio dessa novela. Avise aos leitores do nosso BLOG que o próximo e último capítulo será postado brevemente. Risos ...




PARA CITAR ESTA FONTE: Medeiros, Alexandre. Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Segunda Parte). Física e Astronomia_Alexandre Medeiros, BLOG.
http://alexandremedeirosfisicaastronomia.blogspot.com/2011/10/nobel-de-fisica-2011-dialogos-sobre_11.html. Acessado em 12 de Outubro de 2011. (atualizar a data)



Um comentário:

  1. Excelente a contextualização histórica presente no texto, particularmente no que diz respeito à contribuição de Hubble na concepção de um universo em expansão. Vale a pena socializar entre nós professores.
    Carlos Ruiz

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