quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A Ciência do Descobrimento: Navegando Contra o Vento

 
Ciência Hoje das Crianças – Volume 7,  N. 100, Abril de 2000



A Ciência do Descobrimento:  Navegando contra o Vento

Alexandre Medeiros  &  Francisco Nairon Monteiro Jr.
Departamento de Física - Universidade Federal Rural de Pernambuco



Pode parecer incrível, mas o descobrimento do Brasil não é só história, envolve também a física. Sem um mínimo de conhecimento desta ciência, a esquadra de Cabral dificilmente aportaria em nosso território. Não acredita? Pois saiba que por muito tempo os navegadores se perguntaram como fazer para seguir viagem quando o vento os pegasse de frente. Afinal, eles se lançavam ao mar em barcos à vela, isto é, sem motor. Muitas vezes, usavam os remos, mas essa não era uma boa saída porque os marinheiros ficavam esgotados, sem conseguir fazer com que as embarcações avançassem muito em sua rota.
Um grande impulso para as viagens marítimas foi dado quando os portugueses, no século 15, aperfeiçoaram a vela latina, também chamada triangular, para usá-las em suas caravelas e naus.
A física do descobrimento do Brasil está justamente no funcionamento dessa vela, um equipamento que, no passado, permitiu às caravelas, e ainda hoje possibilita aos barcos mais modernos navegarem contra o vento.

Puxa pra lá, puxa pra cá
Um engano muito comum é pensar que o barco é necessariamente empurrado na direção em que sopra o vento.
Quer ver como nem sempre é assim? Imagine que, com uma corda, um menino tem de puxar um bote numa piscina com águas paradas. Ele está numa das bordas da piscina, puxa a corda e o bote vem em sua direção. Se um um colega dele estivesse na outra borda e puxasse sozinho a corda, o barco iria na direção dele.
Mas, o que acontece se, em vez de uma, existissem duas cordas e os dois meninos as puxassem ao mesmo tempo? O bote seguiria para frente, indo mais para o lado de quem estivesse fazendo a força maior. A seta menor está indicando quem fez menos força e a seta maior, quem fez mais força. Repare ainda que, nesta figura, foram desenhadas linhas pontilhadas paralelas a cada uma das setas. Essas linhas se encontram, formando um retângulo. Do ponto em que as duas setas têm origem (e que serve para mostrar onde a corda estava amarrada) sai uma terceira seta que termina no encontro das linhas pontilhadas. Essa nova seta ilustra a força que resultou do empenho dos dois garotos em puxar o bote - é a chamada força resultante.

Ora, se o bote andou na direção da força resultante, podemos imaginar (veja bem: i-ma-gi-nar) que ele foi puxado por essa única força, a resultante, que substitui as forças feitas pelos meninos.
O segredo das forças
Agora, vamos tentar aplicar a mesma idéia para o vento na vela. Na figura, vemos um barco de cima, recebendo um vento de lado. Repare que a vela está inclinada em relação à quilha do barco, isto é, em relação à lâmina de metal que o barco tem embaixo do casco ao longo do seu comprimento. A quilha serve para manter o barco navegando numa certa direção, impedindo que ele navegue para os lados.

Veja bem: a força que o vento faz na vela (seta cinza) pode ser substituída por duas outras forças que, juntas, produzem o mesmo resultado. Isso quer dizer que o raciocínio aqui será inverso ao do bote na piscina. Naquela situação, vimos como duas forças podem ser substituídas por uma só. Agora, queremos mostrar como uma única força, a do vento na vela, pode ser substituída por outras duas que provoquem o mesmo efeito.

Neste caso, vamos observar o desenho ao lado. Repare que do ponto onde tem origem à seta cinza saem duas outras setas, uma perpendicular à vela (seta verde) e outra paralela (seta laranja).
Podemos, então, pensar que o barco está sendo empurrado por essas duas forças - verde e laranja - em lugar de pensar na cinza. Qual o efeito dessas duas forças? A força laranja passa de lado, alisando a vela. Já a verde estufa a vela diretamente (ou enfuna a vela, como dizem os navegadores).

Para entender como o barco consegue navegar contra o vento, basta prestar atenção na seta verde. Ela é a força que empurra o barco numa direção perpendicular à vela, mas ele não navega nessa direção, pois, como vimos, o barco só pode navegar na direção da sua quilha.
Vamos substituir essa força (a seta verde) por duas outras forças: as setas vermelha e azul. O desenho mostra a seta vermelha na direção da quilha e a seta azul em posição perpendicular à quilha.

Na figura a seguir, essas duas forças são mostradas já substituindo a seta verde. Logo, se o barco navega na direção de sua quilha, quem o empurra é a força representada pela seta vermelha. O efeito da força azul é tentar virar o barco. Inclinando a vela, os velejadores compensam o efeito da força que tenta virar o barco. Essa inclinação para lá e para cá também faz com que o barco avance em ziguezague, navegando contra o vento!


Note, porém, que como dissemos, o papel da força azul é tentar virar o barco. Quanto mais pano a vela tem para cima, mais facilmente o barco pode virar. É por isso que se usam velas triangulares, porque elas têm menos pano para cima, logo, têm menos chance do que as quadradas de provocar o tombamento do barco.
Com toda a ciência da vela triangular para navegar contra o vento, o barco segue seu rumo meio de lado. É por isso que, hoje, quem navega em barco pequenos numa situação dessas, joga o peso do próprio corpo para o outro lado, tentando equilibrar a embarcação na luta com o vento.
Depois de tantas explicações, já deu para perceber quanta física se usou para desenvolver a navegação que permitiu a Cabral aportar em nossas terras e fazer com que tantos outros navegadores chegassem aos seus destinos. Se você entendeu tudo o que foi dito sobre a utilidade da vela triangular, você quase pode se considerar um especialista no assunto. Digo quase porque para saber tudo precisaríamos falar também daquela força laranja que alisava a vela. Esse, porém, é um ponto que necessitaria de um pouco mais de aprofundamento na física. Por isso, esperamos que você não se esqueça dele e, quando estiver dominando a física das forças, toque no assunto com o seu professor.



Ciência Hoje das Crianças – Volume 7,  N,. 100, Abril de 2000.

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