Ciência Hoje das Crianças – Volume 7, n. 99, março de 2000
Ciência nas Pedaladas
Alexandre Medeiros e Francisco Nairon Monteiro Jr
Departamento de Física - Universidade Federal Rural de Pernambuco
Não é fácil ser o menor da turma e ter de andar de velocípede quando a galera toda já consegue se equilibrar nas duas rodas da bicicleta. Você talvez não saiba o que é isso pelo fato de ter sido sempre "compriiido" (como diria aquela tia que te acha o máximo). Mas quem foi eleito mascote da turma por ser o menor de todos entende bem o que eu estou falando. Passar do velocípede à bicicleta é um marco na vida de qualquer baixinho. Aliás, a melhor palavra não é marco, mas, sim, marcas. É isso mesmo. Ir se esticando todo para fazer o pé alcançar o pedal e tentar se equilibrar pode resultar em tombos que deixam marcas históricas nos joelhos, nos cotovelos, na testa...
Para falar a verdade, não importa se você é grande ou pequeno. Qualquer um de nós, ao aprender a andar de bicicleta - seja buscando equilíbrio com as pedaladas, percebendo a hora certa de frear ou, para quem já foi mais longe, pegando a prática de que marcha usar -, sem querer usou muita ciência.
A ciência envolvida no funcionamento da bicicleta é a física, ou melhor, a mecânica - que é a parte da física que estuda os movimentos dos objetos e as forças que provocam esses movimentos. Se estas primeiras linhas estão lhe causando a sensação de que não vai ser nada fácil entender a ciência das pedaladas, não se assuste. É possível ficar por dentro de como a bicicleta funciona usando a lembrança de fatos que observamos no dia-a-dia.
Por exemplo: por que algumas crianças demoram mais do que outras para aprender a andar de bicicleta? Em parte porque, com medo de cair, elas insistem em andar muito devagar e, aí, vão tombando para um lado e para o outro. Se você sabe andar de bicicleta, já deve ter percebido que, em linha reta, quanto mais veloz estiver, mais difícil será cair. Por quê? Você já deve ter brincado, ou visto alguém brincar, de empurrar um aro com arame sem deixá-lo tombar.
O arame é usado para se fazer um gancho e prender na extremidade de uma haste de madeira. Este gancho encaixa-se no aro que, quando empurrado, vai girando. Quem já brincou sabe que quanto mais veloz o aro se move, mais estável ele fica, ou seja, é mais difícil de ele tombar. Se você tentar tombá-lo de lado, parece que existe uma força firmando o aro em pé.
Um bom caminho para entender essa questão do equilíbrio pode ser recordar do velocípede e perguntar por que é mais fácil se equilibrar nele do que na bicicleta. Essa é fácil! O velocípede possui três rodas: uma na frente e duas atrás. Isso faz com que ele seja mais estável do que a bicicleta, ou seja, mais difícil de tombar. É possível até ficarmos sentados parados no velocípede com os pés no pedal que ele não vai tombar. Ficar assim na bicicleta certamente resultaria em um tombo.
Equilibrar-se para andar de bicicleta requer algum treino e, como vamos descobrindo na prática, é ganhando velocidade que a gente pára de bambear e consegue andar legal. Sim, eu sei que você já está ansioso para saber o que a velocidade tem a ver com equilíbrio. Só mais um exemplo e você vai entender.
No caso da bailarina e do pião, a 'conservação do momento angular' tende a manter o eixo de rotação como estava, na vertical. No caso da bicicleta, o eixo de rotação tende a manter-se na horizontal.
O mesmo acontece com a bailarina que gira em um pé só. Para manter-se em equilíbrio, ela tenta girar na maior velocidade possível. Com o pião é a mesma coisa: se o cordão é puxado rapidamente, ele põe-se a girar bem veloz e não tomba com facilidade. Mas, à medida que a velocidade vai sendo reduzida por causa do atrito com o ar e com o chão, o pião e a bailarina começam a bambear.
Agora, uma pergunta: se você fosse subir uma ladeira, colocaria uma combinação da menor coroa com a maior catraca ou uma combinação da maior coroa com a menor catraca? Bem, se o que você pretende é elevar um peso fazendo menos esforço, o ideal é a combinação entre a maior catraca com a menor coroa. A bicicleta subirá lentamente, pois será preciso dar várias voltas nos pedais, mas sem tanto esforço quanto seria necessário numa bicicleta sem marchas.
E se você fosse participar de uma corrida, qual combinação usaria? O caso, agora, não é diminuir o esforço, mas aumentar a velocidade. Logo, uma combinação da maior coroa com a menor catraca permitiria alcançar grandes velocidades com poucas pedaladas, embora já tenhamos visto que o esforço neste caso seria maior.
O segredo, portanto, do equilíbrio na rotação de um corpo - seja ele uma bailarina, um pião ou uma roda de bicicleta - está em manter altas velocidades. Os cientistas chamam essa tendência de um corpo conservar o seu equilíbrio nas rotações de 'conservação do momento angular'. Esta tendência dificulta a modificação da direção do eixo de rotação. Assim, quando pedalamos em grandes velocidades, há uma tendência cada vez maior de a bicicleta manter o seu movimento sem tombar, que nos ajuda a manter o equilíbrio, dificultando a queda. Mas, quando alguém está aprendendo a andar de bicicleta e se move devagar, cai com mais facilidade.
Bicicleta x Velocípede
Passar do velocípede à bicicleta significa ganhar velocidade. Por quê? Ora, quem já experimentou sabe que para andar ligeiro num velocípede é preciso pedalar muito e bem rapidamente. Na bicicleta, porém, pedaladas medianas podem nos levar a atingir grandes velocidades. Mas como se aumenta a velocidade na bicicleta?
Uma primeira solução seria colocando grandes pneus, pois, quanto maior o pneu, mais longe conseguimos ir com uma só pedalada. Mas essa não seria uma boa idéia porque - embora se consiga andar mais depressa com pneus grandes -, quanto maior o pneu, maior será a nossa dificuldade de subir até o banco e fazer nossos pés chegarem aos pedais.
Visto que só aumentar o tamanho dos pneus não seria uma boa solução, chegamos à necessidade da transmissão. Ela permite que a bicicleta atinja maiores velocidades sem ter de aumentar o tamanho dos pneus. Certo. Só faltou dizer o que é transmissão, né? Simples! É o conjunto formado pelos pedais, coroa, catraca e corrente.
Observe no desenho que a coroa da bicicleta é maior que a catraca. Como o pedal fica preso na coroa, quando ele dá uma volta completa, a coroa faz o mesmo. Mas... numa pedalada completa, a catraca dá algumas voltas a mais por ser menor que a coroa. Isso faz com que os pneus também girem mais rápido que a coroa, aumentando a velocidade da bicicleta.
O mesmo não acontece no velocípede, porque seus pedais estão presos diretamente na roda dianteira. Neste caso, quando o pedal dá uma volta completa, as rodas também dão uma só volta, não havendo um aumento da rotação dos pneus.
Acelerando com as Marchas
Como vimos, é a engrenagem, ou transmissão da bicicleta, que permite atingirmos uma grande velocidade com um menor número de pedaladas. Mas sabia que é possível aumentar ainda mais a velocidade de uma bicicleta? Basta usar várias coroas e catracas, como nas bicicletas de marchas.
Preste atenção numa bicicleta desse tipo e repare que, usando algumas marchas, o ciclista consegue correr mais. Com outras, corre menos. Observe também que, quando a bicicleta está numa marcha de maior velocidade, o esforço que se faz para mover os pedais é maior. Por outro lado, quando ela está numa marcha de menor velocidade, o esforço que se faz para mover os pedais é menor. Mais uma vez a pergunta: por que?
Antes de responder, é preciso explicar como funciona um sistema de marchas de bicicleta. A figura a seguir mostra um sistema com duas coroas e cinco catracas.
Quando a coroa maior está ligada pela corrente à menor catraca, uma volta completa dos pedais resulta num maior número de voltas das catracas, fazendo a bicicleta mover-se com maior velocidade. Por outro lado, nesta combinação, o esforço para andarmos com a bicicleta tem de ser maior, uma vez que, para uma volta completa dos pedais, os pneus da bicicleta dão várias voltas a mais. Assim, somos obrigados a fazer uma força que seja suficiente para nos movermos com uma maior velocidade.
Já, quando a menor coroa está ligada à maior catraca, uma volta completa dos pedais resulta num número menor de voltas dos pneus. Isso faz com que a bicicleta ande em menor velocidade. Porém, o esforço necessário para fazê-la se deslocar é menor.
Cada coroa pode ser ligada a uma das cinco catracas, de forma que existem 10 combinações entre as duas coroas e as cinco catracas. Então, trata-se de uma bicicleta de 10 marchas.
Quando a coroa maior está ligada pela corrente à menor catraca, uma volta completa dos pedais resulta num maior número de voltas das catracas, fazendo a bicicleta mover-se com maior velocidade. Por outro lado, nesta combinação, o esforço para andarmos com a bicicleta tem de ser maior, uma vez que, para uma volta completa dos pedais, os pneus da bicicleta dão várias voltas a mais. Assim, somos obrigados a fazer uma força que seja suficiente para nos movermos com uma maior velocidade.
Olha o Breque!
O desenho mostra um sistema simples de freio de bicicleta
Outra parte da bicicleta que envolve física é o sistema de freio. Popularmente conhecidos como breque, os freios da bicicleta são formados pela maneta, o cabo de freio, a garra e as sapatas. A maneta é aquela peça presa no guidão que apertamos quando queremos frear a bicicleta. Uma das manetas aciona o freio dianteiro, enquanto a outra aciona o freio traseiro. O cabo é um arame de aço que liga a maneta à garra. E as sapatas são as duas peças de borracha presas na garra.
Para frear, apertamos a maneta. O cabo, então, é esticado, puxando a garra e fazendo com que as sapatas pressionem o aro da bicicleta.
Teste os seus conhecimentos mais uma vez: se houvesse apenas um freio na bicicleta, você o colocaria no pneu dianteiro ou no traseiro? É uma pergunta difícil, mas vamos investigar. Se o freio fosse colocado no pneu dianteiro, correríamos o risco de tombarmos para frente, se a bicicleta fosse freada a uma grande velocidade. Na verdade, quando se freia, a bicicleta pára pelo atrito entre o pneu e o chão. Quando o freio dianteiro é acionado, a traseira da bicicleta tende a levantar, girando para frente e fazendo com que o ciclista seja jogado na mesma direção.
Já deu para notar que, se tivéssemos apenas um freio, seria mais seguro colocá-lo no pneu traseiro. Neste caso, não haveria uma tendência de giro, uma vez que o atrito aconteceria entre o chão e o pneu de trás.
Há muito mais ciência envolvida nas engrenagens da bicicleta. Precisaríamos talvez de uma revista inteira para falar de tudo. Mas, quem tiver outras curiosidades sobre este assunto, pode escrever pra gente. Quem sabe as dúvidas não resultam em um novo texto!
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