terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Método de Projetos na Educação de Jovens e Adultos no Ensino Público Brasileiro

Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds – Professor de Física e Astronomia, UFRPE)


O Método de Projetos na Educação de Jovens e Adultos no Ensino Público Brasileiro



Esta é uma reflexão sobre o caso de uma estudante adulta de uma classe do ensino público do Programa de Educação de Jovens e Adultos. Apesar de ser um caso singular, ele tem todas as características de várias outras situações semelhantes que ocorrem comumente nas escolas públicas deste país. O testemunho da estudante em causa, as suas impressões, as suas dificuldades e os seus resultados são um triste relato da realidade de um tal Programa de ensino.

Vânia tem 29 anos de idade. É uma pessoa inteligente, humilde e de fácil relacionamento. Ela trabalha como empregada doméstica e estuda à noite em uma escola pública no Programa de jovens e adultos. Seu desejo de aprender e de superar-se é enorme. Entretanto, o seu testemunho sobre o ensino que recebe na Escola pública é dos mais dramáticos. As faltas dos professores são coisas freqüentes e o desinteresse dos mesmos pela educação dos seus estudantes é algo patente. E tudo isso envolto cinicamente em um discurso educacional aparentemente progressista.

Tomemos um exemplo típico das dificuldades vivenciadas por ela para esclarecer a situação, exemplo este tirado das suas aulas de Matemática, mas que poderia muito bem ser de outra disciplina qualquer. Vânia se encontra em dificuldades para fazer um determinado trabalho (ou uma “pesquisa”, para usar a cínica terminologia educacional usualmente empregada pelos seus professores). Ela procura naturalmente ajuda com alguém mais experiente. Eu sou o seu interlocutor.

Ela chega e me vê estudando no computador. Educadamente pede a minha atenção e diz:

– Seu Alexandre, o senhor pode me dar uma ajuda numa pesquisa que eu tenho que fazer para a escola?

Eu me viro em sua direção e pergunto:

– Do que se trata, Vânia?

– É o meu trabalho de Matemática. O professor mandou fazer um Projeto, uma “pesquisa”.

Eu ouço aquelas palavras tão preciosas, “projeto” e “pesquisa” e imagino, infelizmente, do que se trata, mas não emito minha opinião. Em vez disso eu apenas peço para que ela esclareça do que se trata:

– Como é esse tal “Projeto” que o seu professor mandou fazer?

É assim, diz Vânia: o professor mandou fazer uma pesquisa sobre equações. A gente tem que pegar um livro e escrever um trabalho, uma pesquisa sobre equações.

– Você sabe o que é uma equação? Ele lhe disse do que se trata?

– Não. Ele mandou a gente estudar e escrever o trabalho. Eu queria, se fosse possível, que o senhor me arranjasse algum livro que tenha esse negócio para eu fazer o trabalho.

– E como você vai fazer o trabalho? É para você fazer exatamente o que?

– É para copiar e entregar a ele.

– Mas, você acha que vai aprender dessa maneira, copiando sem entender?

– Não é para aprender é só para fazer o trabalho. A gente copia e ele dá um DC.

– O que é esse tal de DC?

Desenvolvimento construído.

Com essa resposta eu fico realmente chocado. O completo descompromisso educacional, travestido de educação progressista, chega agora ao cúmulo da ignomínia. O professor substitui a sua necessária aula de um assunto complexo e historicamente construído ao longo de muitos séculos por uma atividade descomprometida, um trabalho sem qualquer chance de se tornar uma porta para uma aprendizagem significativa e ainda por cima o rotula cinicamente de uma “pesquisa”. Mas, se não bastasse isso, para aqueles que candidamente vierem a obedecer a simples tarefa de se tornarem meros copistas ele aplicará a bela expressão “Desenvolvimento Construído”. Quanta perfídia em algo que deveria ser uma relação educacional sincera. Essa é a realidade do belo Método de Projetos na triste prática da escola pública brasileira. Algo bem diferente do que foi idealizado pelos teóricos da Escola Nova. Dewey, Kilpatrick e Anísio Teixeira tremeriam em seus túmulos se soubessem no que se transformaram as suas idéias em meio à realidade do descompromisso da educação pública brasileira. Eu olho para Vânia e pergunto:

– E você faz esse tipo de trabalho em outras disciplinas?

– Faço. A professora de inglês mandou fazer uma pesquisa também.

– Sobre que?

– Sobre isso aqui.

Ela abre o seu caderno e me mostra. Lá está escrito: Advérbios de freqüência e pronomes reflexivos, seguido de uma série de frases em inglês e de suas traduções para o português. Eu olho e lhe pergunto:

– Qual é o trabalho para ser feito, aqui?

– Eu não sei. A gente não entendeu o assunto e então ela levou a gente para a biblioteca e mandou a gente copiar lá uns livros.

– E isso que você copiou, foi ela que mandou?

– Não, ela disse que podia copiar qualquer coisa para fazer a pesquisa.

– E então o que ela quer que vocês façam?

– Tem que copiar de algum livro e entregar a ela. Assim ela dá um DC.

– Um Desenvolvimento Construído?

– Isso!





PARA CITAR ESTA FONTE:
Medeiros, Alexandre. O Método de Projetos na Educação de Jovens e Adultos no Ensino Público Brasileiro. Física e Astronomia_Alexandre Medeiros, BLOG.


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