quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A Ética e a Questão Ambiental na Formação dos Professores de Ciências

Dezembro 2003

A Ética e a Questão Ambiental na Formação dos Professores de Ciências
Alexandre Medeiros (UFRPE) & Carlos Ruiz (UERN)


A Educação em ciências tradicional tem privilegiado quase que exclusivamente o ensino dos conteúdos em detrimento dos processos de construção destes conhecimentos.
A conexão de uma tal postura tradicional com uma política equivocada de formação de professores parece algo canônico. Os resultados não têm sido muito animadores, sob várias perspectivas, pois existem muitas dimensões nas quais podem se desdobrar as tão decantadas habilidades e competências a serem desenvolvidas por futuros professores.
O que está em jogo, entretanto, é muito mais do que um simples debate entre conteúdos e processos na Educação em ciências; o que está em jogo é a própria construção do ser humano em sua plenitude.
Em uma Educação integral há de se buscar não apenas o desenvolvimento de competências individuais, mas, sobretudo de competências sociais. A questão, portanto, não tem apenas o seu lado cognitivo, ela nos remete para a tensão existente entre o individualismo e a solidariedade humana, para uma questão ética: a da formação de uma mentalidade adequada à construção de uma sociedade mais justa e mais harmônica.
Não parece fazer sentido, por exemplo, ensinar Física fazendo-se problemas sobre lançamento de bombas, como se estas fossem questões neutras e abstratas, ao mesmo tempo em que se minimiza a importância das questões ambientais, dos recursos naturais finitos, da problemática de sua exploração e de um desenvolvimento sustentável. Não é possível, também, continuarmos com os nossos processos tradicionais de avaliação educacional que hipervalorizam as competências individuais e marginalizam o valor da solidariedade e da cooperação. Os conteúdos ensinados devem incorporar as atitudes e os valores.
A Educação tradicional, entretanto, não está acostumada a trabalhar explicitamente com essas coisas. Diante da nossa incompetência para avaliar o mais importante, avaliamos o supérfluo.
Falta-nos paciência; e a Educação é também um problema que envolve muita paciência. Cada um de nós tem o seu tempo próprio para incorporar conhecimentos e atitudes. Afinal, que tipo de seres humanos estamos formando ou querendo formar? Tudo isso nos remete à problemática de uma Educação integral que contemple como um dos seus pilares principais a necessidade de uma Educação ambiental.
A reflexão acadêmica sobre a problemática ambiental é um fenômeno relativamente recente. Uma referência temporal é a década dos sessenta: o segmento mais esclarecido da sociedade começa a tomar plena consciência do caráter finito do planeta. A exploração desenfreada dos recursos naturais tem limites; os acidentes ambientais associados à indústria química, a contaminação das águas e do ar, o domínio da energia nuclear, com sua nefasta aplicação às bombas atômicas, dentre outros fatores, mostram o tremendo grau de interconexão existente entre as diferentes regiões do mundo e põem a nu a imensa fragilidade da espécie humana.
Coloca-se em foco a preocupação com a preservação da natureza. Entretanto, quando pensamos sobre a natureza, damo-nos conta de que o homem é parte indissociável da mesma. Pensar o ambiente é, portanto, também, pensar a sociedade. Assim, o conceito de meio ambiente deve ser ampliado. O meio ambiente deve ser entendido tanto em seu aspecto natural, quanto em seu aspecto social. Todas as mazelas da sociedade tornam-se, assim, mazelas do meio ambiente. Neste sentido o meio ambiente comporta complexidade: não é possível separar o social do natural.
E aqui aparece um outro problema, talvez ainda mais fundamental: que tipo de pensamento pode dar conta da problemática ambiental? Até que ponto a ciência moderna está em condições de oferecer respostas eficazes para esta problemática complexa? A questão da problemática ambiental deve ser encarada, deste modo, como uma questão de conhecimento.
A ciência moderna tradicional, como suas raízes cartesianas, gerou, legitimamente, a disciplinaridade e o seu êxito fundamentou um estilo de pensamento que tenta fragmentar a realidade para conhecê-la melhor. Esta atomização da realidade pressupõe que a junção de suas partes corresponda identicamente ao todo fragmentado. Entretanto, este todo inclui não apenas as partes fragmentadas, mas também, e, sobretudo, as complexas relações entre as mesmas, relações estas que são irreparavelmente perdidas neste processo de fragmentação. E é na multiplicidade dessas relações que está contida a própria complexidade do tema. Neste sentido, portanto, como alerta Edgar Morin, o meio ambiente é complexo: nele estão entrelaçados os aspectos naturais e sociais.
Um conhecimento fragmentado não dá conta do meio ambiente; é necessário um pensamento capaz de produzir um conhecimento complexo que não esqueça o contexto mais amplo no seio do qual a disciplinaridade tradicional traça os seus recortes. Em outras palavras, a problemática ambiental tornou aguda a questão da interdisciplinaridade, embora não tenha dado origem à mesma. E é neste ponto, que cabe ressaltar a importância da interdisciplinaridade na formação dos professores. A ideia essencial é a de que a Educação é também, no sentido acima descrito, um fenômeno complexo. Daí, portanto formar um bom professor implica em lançar pontes entre uma cultura humanística e aquela tradicionalmente chamada de científica.
É cada vez mais atual a necessidade de levar em conta as duas culturas mencionadas por C. P. Snow, já nos anos 40. É fundamental compreender que a cultura humanística implica no cultivo de uma certa sensibilidade, de valores e de afetos. O discurso cientificista é certamente bem mais árido; seu reducionismo positivista não comporta uma tal complexidade.
Deste modo, refletir sobre a natureza da ciência é uma das tarefas mais importantes da Educação em ciências. Há de se revelar os próprios aspectos metafísicos que a construção do conhecimento pressupõe. Aquela visão linear de que mais ciência implica em mais tecnologia e consequentemente em um maior bem estar social, é um dos maiores mitos da modernidade. A problemática ambiental promove o diálogo da ciência com outros saberes e esse diálogo pode ser tanto mais frutífero quanto mais se tenha consciência dos limites e das possibilidades desses saberes que dialogam.
A Educação ambiental é também, ao mesmo tempo, política e ética: política, pois está relacionada com o poder estabelecido em todas as suas dimensões; e ética, pois tem a ver com perguntas como: o que devemos fazer como devemos agir, quais os valores a defender e a compartilhar com as novas gerações?
Certamente, estas são questões indissociáveis: Ética e Política andam juntas. Tudo isso conduz a um tremendo problema: para educar ambientalmente o próprio educador precisa ter uma consciência ambientalista, o que é muito mais do que simplesmente ser um indivíduo ecológico. Se este último já é difícil, imaginemos nós a dificuldade de termos educadores com uma consciência verdadeiramente ambiental. A curta história da Educação ambiental nos alerta contra a ilusão de pensarmos que os objetivos da Educação esgotar-se-iam em sua dimensão cognitiva.
Não é suficiente informar para educar ambientalmente. A dimensão afetiva é fundamental, senão decisiva. Infelizmente, a Educação tradicional hiperboliza a dimensão cognitiva, não colocando em seu justo lugar a dimensão afetiva. Isso tem repercussões extraordinárias nas relações sociais e nas normas com as quais pretendemos discipliná-las. E aqui aparece, novamente, a dimensão ética, pois a Ética tem a ver com as relações em que o ser humano intervém. Deste modo, as perguntas acima levantadas, não podem ser respondidas em abstratos, mas apenas dentro de um certo contexto de relações sociais. Elas devem ser respondidas, sobretudo, no sentido que Capra coloca de relações entre os seres humanos; e também entre estes e a natureza. Tudo isso conduz a um complexo horizonte de questionamentos, como por exemplo: O significa ser ético em relação à natureza? Como devem ser as relações entre os seres humanos? Como encarar o problema da pobreza?
Estas são algumas das muitas perguntas que deveriam ser colocadas em sala de aula e cujo espectro mais amplo deveria estar contido na formação de professores éticos e com uma consciência ambiental.
As atitudes aqui mencionadas devem ser formadas em um ambiente repleto de conflitos de interesses. Educar ambientalmente é também tomar consciência do processo de negociação, deste conceito inventado pelo ser humano para tratar com seres humanos. A negociação, entretanto, pode ser metaforicamente transposta para a natureza. Sendo eminentemente ética, a Educação ambiental deve ser encarada como uma utopia, mas nunca como uma impossibilidade. Afinal, para que servem as utopias? Para caminhar! A Educação em ciências e a Educação ambiental podem e devem ser complementares.
A Educação em ciências pode e deve ir além da dimensão cognitiva, pode e deve ser um exercício do pensamento crítico e da solidariedade e jamais uma amarra aos costumes estabelecidos. No ensino tradicional vigente tudo concorre para substituir a busca da compreensão crítica pelo dever de aprender o que diz o mestre. Mas, como lembra Evryy Schatzman: uma Educação em ciências que não ensine a criticar e a pensar nunca pode ser uma verdadeira Educação. Será, quando muito, um exercício de submissão, integrado em uma cultura repressiva. É preciso rejeitar essa imagem de ciência como dogma, é preciso gritar bem alto que a Educação é a liberdade.





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