terça-feira, 18 de outubro de 2011

John Kennedy x Francisco Barreto de Menezes

Alexandre Medeiros

“CAUSOS” DE PROFESSORES


 John Kennedy x Francisco Barreto de Menezes



Certa vez, eu estava dando uma aula de História da Física na Universidade quando um dos meus alunos me questionou sobre o fato dos personagens sobre os quais eu falava serem em sua maioria estrangeiros. Ele levantou o braço e disse:

Professor, por que é que o senhor só cita os nomes de cientistas estrangeiros?

Eu olhei detidamente para ele e respondi:

Não é bem verdade que eu só fale em cientistas estrangeiros; é que no período histórico que estamos analisando, o século XVII, e tendo em vista o assunto que estamos desenvolvendo, a história da Mecânica, não há como mencionar quaisquer brasileiros.

O rapaz olhou para mim com aquele olhar de quem não acreditava muito na sinceridade das minhas palavras e arrematou:

– Sei não, professor. Eu acho que as pessoas não dão valor ao que é nosso, aos brasileiros. O senhor devia falar era dos cientistas brasileiros que construíram a Física. Esse negócio de só falar do que é dos outros me parece colonização cultural.

Tudo bem! (Disse eu). Posso concordar parcialmente com o seu argumento, mas no momento não há como fazê-lo. Entretanto, já que você fala em valorizar o que faz parte da nossa história, eu devo presumir que você faz exatamente isso, não é?

Claro, professor! (Disse o rapaz com ares patrióticos).

– Muito bem! E vocês aí, concordam com o colega?

Os demais alunos balançaram a cabeça respondendo todos que sim.

– Pois bem, vamos então conversar um pouco sobre isso. Vamos ver até que ponto vocês são ou não fiéis às suas próprias e aludidas convicções. Vamos ver de perto esse negócio de colonização cultural.

Nisso, um aluno de óculos de fundo de garrafa, no canto da sala, me olha e pergunta:

– O senhor vai fazer uma arguição com a gente? Vai querer saber se a gente conhece a História?

– Não, não quero chegar a tanto, mas deixe-me perguntar a vocês algumas bobagens sobre a nossa cidade. Virei-me, então, para o aluno que havia iniciado aquela discussão e lhe perguntei:

– Você sabe o nome daquela avenida que passa em frente ao Shopping Guararapes, no bairro de Piedade?

– Claro! É a avenida Presidente Kennedy. Eu moro lá perto.

– E quem foi esse distinto?

– Espera aí, professor. Quem não sabe quem foi Kennedy? Foi o presidente dos Estados Unidos.

– Só isso?

– Não, claro que não. Ele foi assassinado no Texas com um tiro na cabeça.

– E o que mais?

Um outro aluno completa a resposta:

– Ele foi herói na segunda Guerra Mundial. Parece que foi da marinha.

– Isso! Muito bem! E o que mais?

Após um silêncio inicial, uma moça arrisca um palpite:

– Eu acho que ele era católico, enquanto os outros presidentes americanos haviam sido todos protestantes.

– Muito bem – (digo eu). Muito bem! E o que mais?

– Como assim, professor? Aqui ninguém é historiador. Respondeu um rapaz no fundo da classe.

– OK! Mas, alguém sabe algo mais sobre Kennedy?

A moça volta ao ataque:

– O nome completo dele era John Fitzgerald Kennedy e era de uma família muito rica, parece que da Irlanda.

– Isso! E o que mais?

– Puxa, professor. (Me diz um aluno magrinho e dentuço). O senhor ainda quer mais? Parece que ele foi o presidente mais novo a ser eleito.

– O presidente mais novo de onde?

– Dos Estados Unidos, claro.

– Tudo bem. E o que mais?

O rapaz que havia iniciado a discussão toma a palavra e diz com certa segurança:

– Parece que ele ganhou até um prêmio de literatura.

– Muito bem, ganhou sim. Ganhou o célebre prêmio Pulitzer. Agora vocês mostraram firmeza. Ele realmente ganhou esse premio pelo livro “Profiles in Courage”, mas muitos insinuam que o livro foi escrito pelo seu assessor de discursos, o Theodore Sorenssen, um famoso acadêmico. Mas, e o que mais?

A moça olha para mim, já angustiada e diz:

– A mulher dele se chamava Jaqueline, Jaqueline Kennedy. Depois da morte do Kennedy ela se casou com um ricaço.

– O Onassis! Completa o rapaz dentuço. E ele tinha nome de filósofo: Aristóteles.

OK! (Digo eu) Para mim já chega! Vocês estão muito bem em história americana; pelo menos para alunos de Física brasileiros. Agora, vamos voltar ao início da nossa conversa. Eu perguntei como era o nome da avenida que passa em frente ao Shopping Guararapes, não foi? E vocês todos lembraram que era a avenida presidente Kennedy e mostraram que sabiam até um bocado de coisas sobre esse tal sujeito. Muito bem, Agora, me digam como é o nome da outra avenida que passa do lado do mesmo Shopping e que vai para o bairro de Prazeres? Aquela bem larga do lado esquerdo do Shopping e que passa em frente da revenda de automóveis da Fiat.

Um silêncio desceu sobre a turma. Ninguém se lembrava do nome da tal avenida. Eu tentei animar a turma:

  Vamos lá, gente, como é o nome da avenida?

– Sei lá! (diz o rapaz da frente que havia puxado toda aquela conversa). Por que a gente deveria saber do nome de uma avenida?

Eu finjo que não ouço o comentário, meio irritado, do rapaz e prossigo:

– Vou dar uma pista: A avenida se chama Barreto, Barreto de que?

– Dantas Barreto. (diz a moça, para logo em seguida se arrepender): Não, professor, desculpe, a Dantas Barreto é aquela avenida larga no centro do Recife.

– Tudo bem, tudo bem, mas já que você falou em Dantas Barreto, quem foi esse cara?

Silêncio profundo. Eu sentindo que daquele terreno não sai coelho, digo logo a resposta:

– Ele foi um importante governador de Pernambuco no século XIX e criou uma série de instituições culturais em nossa terra, muitas delas ainda existentes. Mas, voltando à nossa avenida junto ao Shopping Guararapes, como é mesmo o nome dela: Barreto de que?

O rapaz de óculos arrisca:

– Eu acho que é Barreto de Menezes. Ela sai lá na feira de Prazeres.

– Muito bem. Muito bem. E quem foi esse cara?

– Há, professor, sei lá. Como é que a gente vai saber quem foi esse cara?

– Eu acho que foi algum vereador, pois a avenida passa na frente da prefeitura. (Diz a garota, sorrindo).

– Nesse caso (diz outro rapaz, até então calado), eu aposto que foi algum prefeito.

– Muito bem, façam as suas apostas. (Digo eu). E como era o nome completo dele?

O rapaz que havia iniciado toda aquela conversa protesta:

– Espera aí, professor. Como é que a gente vai saber o nome completo de um desconhecido?

– Mas, você não sabia o nome completo do Kennedy? Digo eu, visivelmente indignado.

– Mas, o Kennedy foi presidente da república.

– De onde, de onde? Eu insisto.

– Dos Estados Unidos, claro!

– Isso! Pois, bem. O tal desconhecido Barreto de Menezes, como você falou, se chamava Francisco Barreto de Menezes. Melhorou? Lembraram, agora, quem foi ele?

Um gaiato no fundo da classe dá o seu palpite:

Eu acho que ele foi presidente do Santa Cruz.

Do Santinha não; protesta um tricolor fanático. Com esse nome de português deve ter sido presidente do Sport.

Muito bem, muito bem! Vocês chegaram perto. Ele era português e foi algo parecido com presidente, mas não do Sport, nem do Santa Cruz.

Foi diretor de futebol do Náutico. (Gritou o gaiato). É isso, eu lembrei.

Muito engraçado, o senhor (eu digo sorrindo para ele). Pois, bem! O Francisco Barreto de Menezes foi ninguém menos do que o comandante geral das forças luso-brasileiras que expulsaram os holandeses do Brasil. Qualquer que seja o juízo de valor que se faça sobre esse episódio, ele é uma parte importante da nossa história. E tem mais, ele foi depois da batalha dos Guararapes, aquela mesma que dá o nome ao Shopping, governador do Estado brasileiro em nome de Portugal, tendo sido ainda presidente da Junta de Comércio de todo o Reino com o cargo de Vice-Rei; algo semelhante a ser, nos tempos atuais, presidente do Brasil. Pelos militares ele é considerado também como tendo sido um excelente general, um inovador na arte da guerra, tendo derrotado, por duas vezes, inimigos mais fortes do que o seu exército. E então, quem é mesmo que não dá valor à nossa história? Quem é mesmo o culturalmente colonizado aqui?

Meu estudante que havia começado tudo aquilo, olha para mim com um olhar desesperado e me pede:

Está bem professor, desculpe! Vamos voltar a falar de Galileu e de Newton, vamos voltar para a história da Mecânica.

2 comentários:

  1. hahahahhaha. Muito bommmmm!!!!!!
    Não tem como não se envolver na história. Nem eu sabia quem era Barreto de Menezes. Agora sei!!!

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