terça-feira, 18 de outubro de 2011

Piquete com Fernandão: Dê um Tiro aqui no Meu Amigo

Alexandre Medeiros

“CAUSOS” DE PROFESSORES



Piquete com Fernandão: Dê um Tiro aqui no Meu Amigo



Esse é mais um “causo” da época da greve de 1978. O Fernandão era um tipo atlético, professor de educação física, alto e forte como um touro, um verdadeiro armário. E se não bastasse, o danado era bom de briga. Não havia quem não tivesse medo dele.

A greve decretada, Fernandão é nomeado para fazer um piquete. Ele um cara, àquela época, de ultraesquerda, que chamava até os petistas de pequeno-burgueses, foi enviado para fechar uma escola que não queria parar.

E a estratégia dele era uma só: chutar o pau da barraca.

E lá vamos nós: os três patetas: Eu, Manoel, professor de Português, e o Marco, professor de Física, como eu. O nosso quarteto se aproxima então do portão da escola com o gigante Fernandão à nossa frente. Ele chega ao portão, vê o vigia por perto e solta logo o berro:

– Ei, você aí. Venha logo abrir esta merda!

O vigia, um sujeito pequeninho, de aparência humilde, mas com cara de cabra macho, chega junto e diz calmamente:

– Vou abrir não “sinhô”, que o doutor disse que era prá num deixar “os professor” sair.

Fernandão fica furioso com o cara:


– Você vai abrir e é agora, que eu estou mandando. Seu reacionário!
O pobre vigia que possivelmente nunca tinha nem ouvido falar da palavra "reacionário"; amedrontado com aquela montanha de músculos gritando na sua cara, recua e saca um revolver 22; aquele pequeno e prateado.

– Que merda é essa aí na tua mão, meu irmão? (Grita Fernandão, irado)

O vigia não responde, mas o revolver tremula na sua mão. Eu, Marco e Manoel ficamos apavorados com aquela cena. E agora, o que vai ser da gente?

Fernandão, completamente descontrolado, prossegue com o seu vozeirão:

– Olhe aqui, meu irmãozinho, tu vai querer matar quatro homens com essa merda aí? Pega esse negócio e enfia logo no teu... Vai, abre logo essa porra. Se tu atirar em qualquer um de nós, os outros três te matam no pau, que nós somos bons de briga.

Manoel olha para mim, já quase cagado de medo, enquanto Fernandão prossegue com os seus desaforos:

Bora, porra, que já estou me arretando! Se tu for homem, mesmo, atira aqui no meu amigo – e dito isso, aponta para o pobre do Manoel.

Todos nós esperamos pelo pior. Manoel deve ter encomendado a sua alma a Deus. Eu suei frio e fiquei com vontade de fazer xixi enquanto o Marco soltou um peido tão alto que até poderia ter sido confundido com o primeiro tiro, daquela nossa inusitada batalha revolucionária.

Naquele exato momento, entretanto, nós descobrimos que Deus não apenas é brasileiro, mas também deve ser  professor.

Pois, não é que o vigia com cara de cabra macho, com o revolver na mão e tudo, olhou para a cara feia do Fernandão e se avacalhou? Ato contínuo, o pobre homem abriu o portão e Fernandão entrou triunfalmente tomando o revolver 22 da sua mão enquanto olhava para trás e nos dizia com voz firme:

– Vamos logo, camaradas! Vamos fechar essa porra que ainda temos vários outros piquetes para fazer hoje.

Nós seguimos calados o nosso ensandecido líder revolucionário, naquela nossa primeira e última empreitada conjunta. Nunca mais nenhum de nós teve coragem nem de pensar em acompanhar o Fernandão em seus piquetes.

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