terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Greve de Professores e o Milico Traíra

Alexandre Medeiros

“CAUSOS” DE PROFESSORES


A Greve de Professores e o Milico Traíra


Esse é mais um causo da greve de professores de 1978. Por ter sido uma das primeiras greves no Brasil em muitos anos de ditadura militar, ela foi cercada de vários cuidados de nossa parte e de uma grande preocupação por parte da classe patronal. A coisa era tão paranóica que até agentes do serviço secreto do exército foram colocados para nos espionar, como se o nosso movimento fosse algo contra a segurança nacional ou tivesse alguma expressão maior.

Desse modo, a coisa toda foi superdimensionada e de repente em plenos preparativos para a realização de uma simples assembléia que poderia decretar a greve, no auditório do colégio Americano Baptista, alguém apareceu com a informação de que havia um traíra à solta. Nós estávamos batendo papo, quando chega um colega e diz:

– Olha, tem um meganha infiltrado entre nós. Um cara da quinta seção!

Todo mundo gelou ao ouvir aquele comentário. A quinta seção era justamente o setor do exército responsável pela espionagem dos milicos e todos nós sabíamos que eles tinham mania de enxergar pelo em ovo. Daí, que todos nós ficamos muito apreensivos. Alguns colegas ficaram tão assustados que cogitaram em adiar a nossa assembléia. Outros, mais afoitos, como o Fernandão, por exemplo, queriam logo pegar o cara e dar-lhe uma boa camada de pau.

O Edmilson, autêntico cara de esquerda, pensou em fazer uma denúncia de público para ver se o cara se mancava, mas não havia como provar que o danado era mesmo um traíra, de modo que teríamos de aguentar o sujeito.

De repente, enquanto nós estávamos ali conversando sobre aquelas coisas, eis que alguém chega e se acerca do nosso grupo, o próprio traíra em pessoa. Dois colegas nossos já o conheciam e sabiam da sua malfadada ocupação, mas não queriam colocar a cabeça a prêmio; sabiam que ele era antes de tudo um baita agitador.

E foi desse modo, mesmo, que o peste se apresentou. Foi chegando e logo dizendo, como se já conhecesse todos ali há uns mil anos:

– E aí, gente? Como é? A greve sai ou não sai?

O Fulano, sempre cauteloso e prudente, olhou para ele e disse:

– Sei lá, a gente ainda não tem uma posição, a coisa está difícil.

Outros pegaram a dica e tentaram também disfarçar:

– É! Eu acho que a greve não vai sair, eu estou até pensando em ir embora antes da assembleia.

– Eu acho que nem vai haver assembleia. (Disse outro colega, tentando disfarçar).

– Pois eu vou ficar, disse o traíra, decidido. E que estória é essa de que as coisas estão difíceis, de que não vai ter assembléia, nem greve? Vamos fazer a greve logo e aprontar um tremendo quebra-quebra. Eu me ofereço para participar. Temos que mostrar a esses patrões que nós botamos para quebrar.

Todos nós ficamos alarmados com aquela idéia irresponsável que nos cheirava a pura provocação.

– É, vamos pensar na sua sugestão. Disse um colega muito matreiro e com isso o cara se afastou e foi brechar outros papos.

– E, então, gente, como é que vamos fazer com esse cara?

– Deixa ele comigo, disse logo o Fernandão.

– Não, senhor, nada disso, dissemos praticamente todos nós em conjunto.

– Eu tive uma ideia! – disse um dos colegas – não sei se vai dar certo, mas vale à pena tentarmos. Nós chegamos para ele e dizemos que a assembléia não pode começar enquanto não chegarem algumas pessoas muito importantes que estamos esperando.

– Mas, quem é que nós estamos esperando de tão importante, assim? Disse o nosso presidente pelego e que além de pelego era meio bronco. Ele tinha estado até aquele momento no cargo por pura inércia da categoria.

– Você está brincando? Não estamos esperando ninguém, claro – Disse, o colega, já meio P da vida com a anta.

– E, então?

– Então, nós vamos dar a ele os nomes e endereços de três ex-associados mortos. É só procurar nos arquivos da entidade. E de preferência que tenham morado em locais bem distintos da cidade. Vê se pega os tais nomes no arquivo, é para isso, ao menos, que serve um presidente de sindicato.

Os colegas concordaram e nós obtivemos rapidamente os tais nomes. Não me lembro bem quem foi o encarregado de entregar aqueles nomes ao traíra. Mas, uma vez feito isso, o danado ficou radiante de felicidade e partiu em disparada no seu fusquinha em busca daqueles líderes revolucionários para os quais havíamos pedido a ele para dar uma carona. Não sei como a estória terminou exatamente, pois o fato é que o cara sumiu. Imagino, entretanto, a sua cara de bobo ao se dar conta de que os seus preciosos líderes revolucionários já haviam todos morrido e que nós àquela hora já devíamos estar rindo dele.

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