sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Primeira Parte)

Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds – Professor de Física e Astronomia, UFRPE)



Na última terça-feira, dia 3 de Outubro, o prêmio Nobel de Física de 2011 foi concedido aos cientistas americanos Saul Perlmutter, Brian Schmidt (nascido na Austrália), e Adam Riess pelos seus trabalhos relacionados com a observação de explosões de estrelas Supernovas do tipo Ia e a consequente descoberta em 1998 da Expansão Acelerada do Universo cuja interpretação conduziu ao conceito ainda misterioso de Energia Escura. A foto abaixo mostra-os, nesta mesma ordem, da esquerda para a direita.


Justamente naquele dia, eu que costumo acordar cedo para olhar as notícias dos jornais pelo mundo, não havia feito isso. Estava ocupado demais tentando transferir minhas Notas do Facebook para o meu novo BLOG.
As mensagens dos amigos, colegas, alunos e ex-alunos, entretanto, começaram a pipocar no bate papo do FB e não consegui mais trabalhar no meu BLOG. Passei quase todo o dia conversando sobre o Nobel deste ano. As perguntas e observações eram variadas, muitas delas repetidas, outras bem originais. Passei também um bom tempo ao telefone conversando com amigos sobre esse troço. Revirei o baú da história da Física para tentar revisitar as origens e os nuances desse revolucionário conceito. No final do dia me ocorreu a ideia de reunir todas aquelas perguntas e observações dos amigos e ordená-las em uma única conversa construída intencionalmente com o propósito de esclarecer o caso. Nasceu, então, esse texto que se segue.

Pula a primeira caixinha de bate papo no FaceBook:
– Professor, o senhor viu a premiação do Nobel de Física de 2011? Acabou de ser anunciada na mídia.
– Não, não vi! O que foi?
– É sobre uma tal de Energia Escura. O senhor sabe o que é isso?
– Não! Ninguém sabe o que ela é! Nem os caras que ganharam o prêmio. Risos ...
– Como assim, professor? O senhor tá tirando onda comigo?
– Mais ou menos! Certamente quase todos os físicos sabem, por alto, do que se trata, mas ninguém sabe, ao certo, o que ela é mesmo. Há os que até se arriscam, temerariamente, em interpretar a Energia Escura como sendo "flutuações quânticas no tecido do espaço-tempo", mas mesmo esta interpretação sofisticada não é ainda um consenso entre os físicos e não está livre de problemas. Mas, para discutir isso de forma mais compreeensível e sem usar um simples palavrório empolado, ainda sem significado algum para o meu leitor, como a frase que acabei de usar sobre as tais "flutuações quânticas", é preciso fazer um retrospecto de como essa ideia de Energia Escura surgiu e de como ela evoluiu desde então.

– Mas, professor, de uma maneira, assim, mais simples; o que é que a gente pode dizer que é essa tal de Energia Escura; sem falar ainda nessas tais "flutuações quânticas" que eu nem desconfio o que é que são?

– Bem! A Energia Escura é o que a gente chama de um “construto” útil, ou seja, ela ainda é algo por ter o seu significado físico mais bem esclarecido. É algo que foi inventado propositalmente para dar conta da expansão acelerada do Universo. Não apenas da expansão do Universo, mas, sobretudo da aceleração dessa expansão.
– Foi isso que disseram na TV, mas eu não entendi como e nem por que. Dá para explicar melhor esse negócio?
– Acho que a melhor maneira de explicar esse assunto é colocar o mesmo em uma perspectiva histórica. Questionar, então, como o germe dessa ideia surgiu há muito tempo atrás, o que esses três ganhadores atuais do prêmio Nobel fizeram e como esse troço evoluiu até hoje, desde os seus trabalhos realizados no final do século XX.
– Isso tem a ver com a tal da matéria escura? E os buracos negros, professor?
– Calma! Essas coisas estão todas relacionadas, mas vamos por partes; uma coisa de cada vez. Caso contrário, vamos terminar confundindo alhos com bugalhos. É melhor começar a história do início.
– Então comece logo que eu já estou curioso.
– Essa coisa nasceu na Teoria da Relatividade. Então vamos ver logo como ela surgiu. Você sabe que no final do século XIX havia duas grandes crises fundamentais na Física. Ambas estavam relacionadas com a radiação eletromagnética. Uma delas dizia respeito às nossas dúvidas sobre como a radiação eletromagnética se propagava no espaço e a outra estava relacionada à própria natureza dessa radiação e à sua interação com a matéria. Quando eu falo de radiação eletromagnética, eu me refiro à luz visível, mas não apenas a ela e sim a todo o conjunto de diferentes frequências ao longo desse mesmo espectro.
– É aquele negócio do surgimento da Relatividade e da Teoria Quântica?
– Isso, mesmo! Da tentativa de responder à questão relacionada à propagação da radiação eletromagnética surgiria a Teoria da Relatividade enquanto da tentativa de responder a questão sobre a natureza da radiação eletromagnética e a sua interação com a matéria surgiria a Teoria Quântica. OK?
– OK, professor! Mas, o que é que isso tem a ver com a tal da Energia Escura?
– Calma! Você precisa saber como a coisa começou e como evoluiu para entender do que se trata o trabalho que ganhou agora o Nobel. Deixe-me continuar o assunto que daqui a pouco estaremos falando do que você perguntou.
– OK! Desculpe a minha pressa burguesa (Risos). Vá em frente!
– Pois bem! Vários fenômenos relacionados a esses dois grandes problemas com a radiação eletromagnética, estavam em jogo. Vamos concentrar nossas atenções, no momento, no caminho que levou à Relatividade, pois ele estará mais diretamente ligado ao tema atual da Energia Escura. A propagação da radiação eletromagnética era de grande importância prática, pois as transmissões de sinais elétricos com a telegrafia e com o início do radio já apontavam no horizonte. E havia também a questão da sincronização dos relógios, que era também algo vital para a segurança das linhas férreas. Mas, havia também um conjunto mais amplo de problemas ligados à transmissão desses mesmos sinais elétricos.
– Professor, o que é que a sincronização de relógios tem a ver com linhas férreas? E o que isso tem a ver com a propagação das ondas eletromagnéticas? Estou voando.
– Calma! Os trens, por uma questão de economia, viajam para lá e para cá em uma mesma linha férrea. Se não houver uma sincronização perfeita entre os seus horários de idas e vindas, pode haver um terrível acidente. Isso levanta a questão de como se pode garantir que um relógio em uma cidade está marcando o mesmo horário de outra cidade distante dela. Esse problema da simultaneidade dos relógios pode parecer trivial, mas não é. Ele foi alvo de intensas discussões no final do século XIX. Aquilo estava no ar. O problema da propagação dos sinais elétricos e da luz em particular, estava literalmente na pauta de muita gente que nem sabia que os seus problemas estavam todos relacionados a uma coisa só.
– Dá para abreviar essa parte?
– Tudo bem! Eu estava apenas querendo discutir como a Relatividade surgiu em suas muitas nuances, mas esse é mesmo um assunto muito extenso. A gente debate em outro momento. O que nos importa é que houve um conflito entre o que dizia a velha e bem conhecida Mecânica com as suas regras de transformação de coordenadas e velocidades e o mais recente e muito promissor Eletromagnetismo. Muitos experimentos apontavam para resultados paradoxais. O experimento de Michelson e Morley, por exemplo, sobre a tentativa de determinar a velocidade da luz em relação ao éter era apenas um deles.

– O que foi que esse tal experimento de Michelson e Morley revelou?

–  Revelou algo supreendente! Revelou que a velocidade da luz não parecia, estranhamente, se compor com a velocidade da Terra deslocando-se através do éter. Isso, quando se usava as tais antigas regras da Mecânica de transformação de coordenadas e velocidades. Por isso, outras regras, ou equações de transformação de referenciais, foram propostas em 1889 por Gerald FitzGerald para dar conta daquele problema. E elas foram corroboradas por Hendrik Lorentz que as deduziu de uma nova Teoria do elétron.

– Então, quer dizer, que o Lorentz resolveu o problema do conflito? Matou a cobra e mostrou o pau?

– Não! Infelizmente não! A danada da cobra continuou viva, ou seja, o conflito ainda permaneceu. O caminho claramente parecia passar pelas tais Transformações de Lorentz-FitzGerald. Mas, de onde aquelas danadas vinham? A solução proposta por Lorentz para responder a essa  questão foi bastante imaginativa; mas, não suficientemente revolucionária, como mais tarde ficaria claro.

– Mas, por que o Lorentz não matou mesmo a cobra?

– Bem, essa "Teoria do elétron" de Lorentz não passava ainda de uma solução “ad hoc”, ou seja, de uma solução construída para contornar um problema, mas que não ia, entretanto, às raízes do mesmo. Supondo um éter imóvel, Lorentz tentou, na verdade, repensar  apenas as bases do Eletromagnetismo, sem alterar radicalmente os fundamentos da própria Mecânica, que lhe parecia mais bem estabelecida. Ele chegou, certamente, a vislumbrar algumas alterações tópicas em conceitos fundamentais da Mecânica; mas estas alterações na Mecânica não passavam mesmo de coisas apenas tópicas; não eram nada que pudesse realmente abalar a aparentemente sólida estrutura da Mecânica.

– Mas, o Lorentz não obteve nenhum sucesso nessa sua tentativa?

– Lorentz até conseguiu deduzir as tais novas equações de transformações de coordenadas do FitzGerald com a sua Teoria do elétron e propor mesmo uma variação real do comprimento de objetos em movimento; mas, sua teoria nunca se mostrou suficientemente explicativa para dar conta do enorme problema do conflito entre o Eletromagnetismo e a Mecânica. A alteração de comprimento de objetos em movimento que ele previu com sua teoria tinha até um valor matematicamente correto, mas era algo "real" que era uma consequência das forças elétricas internas atuantes entre  os menores constituintes da matéria e não "relativa ao referencial", como logo depois o Einstein mostraria ser necessária.

– Quer dizer que foi o Einstein mesmo quem matou essa cobra do conflito entre o Eletromagnetismo e a Mecânica?

– Certamente! O Larmor, por exemplo, chegou a vislumbrar uma possível dilatação do tempo nas ideias do Lorentz, mas não foi suficientemente radical nessa ideia. Nenhum deles jamais cogitou abandonar a  ideia de um  éter como um referencial absoluto e a partir dai questionar as noções mais amplas de tempo e espaço. O Henri Poincaré foi outro que deu também uma contribuição muito importante nesse assunto. Ele chegou bem perto de resolver o problema, ao identificar as Transformações  de Lorentz-FitzGerald como dotadas de uma estrutura matemática de grupo, mas, infelizmente não deu o arrojado salto conceitual necessário, como alguns de seus admiradores franceses e "afrancesados" pensam que tenha feito. Mesmo o próprio Poincaré jamais reivindicou para si os méritos do Einstein, apesar de sempre ter achado que tinha mais méritos a serem reconhecidos nesse assunto do que aqueles que a história lhe concedeu. Mas, definitivamente, foi mesmo Albert Einstein quem fez isso e de um modo radicalmente original.

– Mas, o Einstein conhecia os trabalhos do Poincaré?

– Sim! Einstein leu alguns trabalhos importantes do Poincaré, sem dúvida nenhuma; mas, o caminho por ele traçado para construir a sua Teoria da  Relatividade, ou seja, a sua "heuristica", foi realmente algo completamente original. Apesar do grande valor das tentativas, tanto do Lorentz quanto do Poincaré, para a solução desse problema; a contribuição do Einstein está em um outro patamar bem mais elevado de importância histórica para a ciência. E assim fazendo, Einstein deu uma nova solução para esse terrível problema do conflito entre a Mecânica e o Eletromagnetismo ao criar a sua Teoria da Relatividade Restrita.

– Como assim?

– Einstein fez duas hipóteses ao mesmo tempo simples e tremendamente arrojadas e delas ele sacou uma série de conclusões salvadoras para o problema do conflito entre a Mecânica e o Eletromagnetismo. Aquelas novas regras de transformação de coordenadas e velocidades de FitzGerald-Lorentz que funcionavam bem no Eletromagnetismo podiam ser agora muito facilmente deduzidas em sua nova, revolucionária  e elegante Teoria da Relatividade.
– Professor, eu estou meio atrapalhado já faz tempo. Qual era mesmo esse problema que o Eletromagnetismo enfrentava e que essas tais novas equações de transformações de coordenadas e velocidades podiam resolver?
– É que enquanto as leis da Mecânica mantinham todas elas o mesmo formato matemático ao serem transformadas entre dois referenciais inerciais usando-se as velhas leis de adição de coordenadas e velocidades descobertas pelo Galileu ...
– Desculpe professor, eu sobrei de novo. Que leis são essas?
– Coisas que dizem, por exemplo, que se um carro se move com 50 km/h em relação a uma estrada e você segue em sua cola tentando ultrapassar o mesmo com 80 km/h em relação a essa mesma estrada, a sua velocidade de aproximação é de 30 km/h em relação ao outro carro.
– Mas, isso é trivial, professor. Eu pensei que essas tais regras fossem um negócio complexo.
– Trivial uma ova! Era exatamente assim que todos os físicos pensavam; que aquilo era trivial e por isso mesmo eles encontraram dificuldades com o Eletromagnetismo.
– Por que? Como assim?
– Porque ao aplicarem aquelas velhas equações de transformações de coordenadas e velocidades do Galileu que pareciam triviais na Mecânica, ao Eletromagnetismo, elas causavam sérios problemas.
– Quais?
– As equações do Eletromagnetismo mudavam de formato matemático, ou seja, não eram mais as mesmas, ao se analisar um mesmo fenômeno eletromagnético em dois referenciais que se moviam entre si com uma velocidade constante. Isso era o caos. Mediante o uso das transformações de Galileu, as equações do Eletromagnetismo não se mostravam covariantes.
– O que? Que nome feio foi esse que o senhor falou? Risos ...
– Desculpe! Covariantes. A gente diz que quando o valor de uma certa grandeza física não muda, ele é um invariante e quando o formato matemático de uma equação não muda mediante uma determinada transformação de variáveis, ela é covariante em relação àquela transformação.
– Quer dizer, então, que falando desse modo mais elaborado, as equações do Eletromagnetismo não eram covariantes mediante a aplicação das transformações de Galileu, não é?
– Isso, mesmo! Elas mudavam de formato matemático. E isso parecia horrível, pois as tais transformações de Galileu, como você disse antes, pareciam ser triviais. As novas transformações sugeridas empiricamente por FitzGerald funcionavam, mas pareciam uma conta de chegada, um arranjo meio maluco, mas que funcionava. Mas, de onde aquelas equações esquisistas vinham? FitzGerald não tinha a menor ideia. Mesmo a resposta de Lorentz não parecia muito convincente, com a sua recente teoria do elétron. Foi ai que entrou o Einstein. Ele botou a casa de cabeça para baixo. Começou logo questionado a trivialidade das tais equações de transformação de velocidades de Galileu. Ele refletiu sobre o que era tido até então como algo absolutamente trivial, ou seja, que o espaço era igual para todos os observadores e que o tempo fluía do mesmo modo uniforme e contínuo em todos os referenciais. Afinal, isso estava enraizado na aparente trivialidade das tais equações de transformações de velocidades de Galileu.
– Como foi essa mudança feita pelo Einstein?
– Bem, ele começou pelo final. Ele propôs, logo de cara, que as equações do Eletromagnetismo tinham de ser covariantes, ou seja, que elas não deveriam mudar de formato matemático entre referenciais inerciais; aqueles que se movem entre si com velocidade constante. Era uma exigência estética da Natureza imposta pelo Einstein. E ele foi ainda mais longe ao afirmar que essa exigência de serem as equações covariantes deveria valer para toda a Física, e não apenas para o Eletromagnetismo. Mas, diferentemente de FitzGerald, ele não postulou novas equações de transformação; ele chegou a elas de um modo simples e elegante; mas para isso ele teve de pagar um alto preço.
– Qual preço?
– O preço de ter de reformular dois conceitos até então tidos como “fundamentais” na Física: o conceito de tempo e o conceito de espaço. Einstein notou, de modo extremamente sagaz, que para se comunicar as marcações de tempo entre dois relógios de modo a colocar em pauta a questão da simultaneidade de dois eventos, era preciso pensar na transmissão da informação com a velocidade da luz. Ele então percebeu que ao postular, logo de início, que a velocidade da luz no vácuo era uma constante e também a maior velocidade do Universo, duas coisas resultavam desses dois postulados, ou seja, do postulado da covariância das equações da Física em relação a referenciais inerciais e da constância da velocidade da luz no vácuo.
– Que coisas eram essas que resultavam desses dois postulados?
– Primeiro, que ele de fato, conseguia, deste modo, resolver o conflito do Eletromagnetismo com a Mecânica; e em segundo lugar, que para isso, ao assumir esses dois postulados, era obrigado a tornar os conceitos de tempo e de espaço como dependentes dos referenciais em que estivessem sendo medidos. Era realmente um preço muito alto a pagar, mas que se revelou extremamente frutífero para o desenvolvimento posterior da Física e para a nossa atual compreensão do Universo.
– Como assim? Por que?
– Porque, como Einstein mostrou logo em seguida, esses seus postulados resolviam o grande problema do conflito mencionado e repensavam os conceitos de tempo e espaço, relativizando-os em relação aos referenciais em relação aos quais eles estivessem sendo medidos, mas revolucionava por consequência, também, uma série de outros conceitos, como os de energia e de momento linear.
– E, então?
– Então, a Física não voltaria mais a ser como era antes. As próprias noções de massa e de energia foram relacionadas nessa nova Teoria e passaram de certo modo a serem vistas como os dois lados de uma mesma moeda. No coração de toda essa transformação estava a velocidade da luz.
– Por que essa Teoria de Einstein recebe o nome de Relatividade Restrita?
– Ela pode ser chamada de Restrita ou de Especial, tanto faz; as duas denominações significam a mesma coisa. O nome “Relatividade” refere-se ao fato de que essa nova teoria reformulou os velhos conceitos de Tempo e Espaço, tidos até então como absolutos, ou seja, que não dependiam do referencial em que eram medidos. E o nome de Restrita, ou Especial, se refere ao fato de que ela considera apenas transformações entre referenciais inerciais, ou seja, que se movem entre si com velocidades constantes, sem aceleração. Mas, esse nome de Relatividade é muito inconveniente e o próprio Einstein notou isso e até tentou mudar, mas não teve jeito, pois ele já havia sido consagrado.
– Por que o nome Relatividade é inconveniente?
– Porque ele se refere originalmente à relatividade dos conceitos de tempo e espaço que esta teoria implica ao buscar explicar a necessidade da covariância das leis da Física. Mas, o objetivo central da referida teoria não era esse de relativizar os conceitos básicos de tempo e espaço; Isso foi uma importante consequência da imposição inicial da covariância das citadas leis e da constância da velocidade da luz ano vácuo. E, além disso, esta denominação suscitou um enorme equívoco.
– Qual?
– O enorme equívoco, muitas vezes cometido por leigos e por esses metidos a sabichões muito falantes que são os tais dos pós-modernistas; gente que mistura o gato com o sapato. O equívoco ou mesmo o absurdo de dizer que segundo Einstein “tudo é relativo”. Dizer isso é um horror! É um verdadeiro sacrilégio! É mostrar que o cara não entende nada do que está falando.
– Mas, não é isso, mesmo?
– De forma nenhuma! A Teoria da Relatividade busca justamente dar conta do fato de que as leis da Física não mudam de formato matemático, de sua Covariância. Esse foi, inclusive, o nome que Einstein sugeriu depois, mas que não colou mais.
– E o que é essa tal de Relatividade Geral?
– Ótima pergunta. A resposta vai nos aproximar da tal Energia Escura a que se refere o premio Nobel deste ano de 2011.
– Puxa! Eu já havia me esquecido de que o papo era sobre isso. Pensei que o senhor estava me enrolando. Risos...
– Engraçadinho! Mas, veja só: o Einstein logo percebeu a necessidade de estender a sua teoria de modo a levar em conta a aceleração e de dar conta da Gravitação; coisa que não era abarcada pela Teoria da Relatividade Restrita. Mas, para isso, ele teve de enfrentar terríveis dificuldades matemáticas, pois embora a Relatividade Restrita seja uma teoria bastante revolucionária do ponto de vista conceitual, ela é bastante simples em seu aparato matemático. Já a Relatividade Generalizada ou Relatividade Geral, necessita para sua formulação de uma Matemática bem mais sofisticada que inclui a Análise Tensorial e a Geometria Diferencial.
– Sem querer sair do assunto, professor, o que é mesmo um tensor?
– É um ente matemático, assim como um vetor, que você conhece bem, que indica um certo tipo de transformação matemática de uma coisa em outra e que ...
– Não entendi nada.
– Calma! Deixe-me tentar explicar de outro modo mais fácil. Vamos começar falando dos vetores que você conhece bem. O que é um vetor?
– Que é isso, professor? Quem responde aqui é o senhor. Tá querendo me empulhar?
– Não, homem de Deus! Largue de ser desconfiado e me responda o que eu lhe perguntei para que eu possa tentar ligar a minha explicação com o que você já sabe do assunto.
– Entendi! O senhor está querendo ser construtivista, não é?
– Não, pelo amor de Deus. Longe de mim semelhante bobagem; mas, isso é outro assunto. Outro dia a gente discute esse papo furado de construtivismo.
– “Vixe”, professor! Eu sou construtivista, o senhor não sabia? Lá na minha escola todo mundo se diz construtivista também. Eu agora não gostei, não.
– Olhe, aqui, esse é exatamente o problema: todos na sua escola “se dizem construtivistas”; mas, no dia que descobrirem o que isso quer dizer mesmo em toda a sua extensão, muitos certamente vão mudar de ideia. Isso é um modismo que assolou a educação em ciências e que tem cara de algo revolucionário, mas que no fundo é um enorme equívoco...
– Tá bem! Vamos voltar ao nosso assunto. Mas, outro dia eu quero discutir com o senhor esse negócio do construtivismo. Eu acho muito charmoso me dizer construtivista. Lembra um troço, assim, moderno, revolucionário, que parte do que a gente pensa, que nem o senhor estava tentando fazer ...
– Isso! Que nem eu estava tentando fazer quando você me deu esse rótulo de construtivista. Posso continuar, com o nosso assunto e outro dia a gente conversa sobre isso de construtivismo? Para entender mesmo o que é construtivismo, sem ficar repetindo bobagens como em uma ladainha, temos de diferenciar ele do realismo crítico, por exemplo e de outras coisas assim. Além de entender que existem vários tipos de construtivismos.
– OK! Vamos voltar para os tais tensores que o Einstein usou na construção da sua Teoria da Relatividade Geral para ver se um dia o senhor chega mesmo nessa tal de Energia Escura do prêmio Nobel de Física desse ano.
– Pois bem! Responda-me, agora o que é um vetor como eu havia lhe perguntado quando você veio com esse papo furado de construtivismo.
– Um vetor é uma flecha. É! Como é que eu digo?
– Você é índio? Flecha é negócio de índio. Deixe de tentar me enrolar e me responda logo o que você acha que é um vetor.
– “Vixe”! O senhor tá meio enfezado, não? Deve ter sido o meu papo sobre construtivismo. Olhe aqui: para mim um vetor é um ente matemático dotado de módulo, direção e sentido. Tá certo, agora?
– Não está mal, mas eu prefiro a sua definição anterior como flecha, mesmo. Vamos alargar esse seu conceito. Você pode entender um vetor como uma flecha mesmo que leva de um ponto a outro ponto ou que transforma um ponto no outro. Por isso que você pode pegar as coordenadas de dois pontos no plano, por exemplo, e subtrair os seus respectivos valores. Pega o X de um ponto e subtrai do X do outro ponto; pega o Y de um ponto e subtrai do Y do outro ponto. OK? Você toma as diferenças entre as respectivas coordenadas dos dois pontos. Se um ponto tem uma abcissa de valor cinco e o outro tem a abcissa de valor 2, você faz: 5 – 2 = 3, OK?
– OK! Mas, aonde o senhor quer chegar?
– Quando você faz isso, você obtém uma “coisa” que tem o significado da diferença entre os dois pontos, não é?
– É! E dai?
– Dai que ele é a mesma coisa daquilo que falta a um ponto para ser o outro. Se você pega as coordenadas do primeiro ponto e a elas você soma respectivamente as desse troço, dessa coisa assim obtida e que você chamou de vetor, você obtém, o segundo ponto. É nesse sentido que ele é uma transformação, sacou?
– Entendi. Um vetor transforma um ponto em outro ponto. Transforma as coordenadas de um ponto nas de outro ponto quando se soma um vetor com um ponto. É isso?
– Isso! Não é assim que geralmente lhe explicam, mas é isso mesmo. É outra maneira de ver a coisa usando a poderosa ideia de transformação.
– Agora, considere o caso no qual você tenha um corpo rígido, uma barra de ferro, por exemplo. E você faz uma força em um certo ponto da barra, na sua extremidade, por exemplo. Lá na outra extremidade, em outro ponto do mesmo corpo, aparece consequentemente uma outra força. OK? Você pode até usar essa barra para empurrar um segundo corpo. O que você pode dizer dessa segunda força que surge lá na outra extremidade e que eu posso até utilizar para empurrar um segundo corpo?
– Espera ai. Como é mesmo? Eu faço uma força em uma extremidade de uma barra de ferro e na outra extremidade dessa barra aparece em consequência uma outra força que eu posso até usar para empurrar um segundo corpo. É isso?
– É! O que você pode dizer dessa segunda força na segunda extremidade em relação à força que você exerceu na primeira extremidade?
– É lógico! São iguais. Isso é trivial!
– Trivial, uma ova! Tanto não é trivial que você errou a resposta. Quem lhe disse que a barra está em equilíbrio? Você precisa levar em consideração que a barra tem uma certa massa. É isso que lhe diz a segunda lei de Newton. Se a barra não estiver em equilíbrio, você terá na outra extremidade uma força diferente. OK?
– OK! É aquele negócio que eu faço uma força menos a outra é igual à massa da barra vezes a aceleração da danada. E assim eu acho o valor da outra força que é como se fosse transmitida através da barra na outra extremidade. Essas duas forças têm módulos diferentes, mas têm a mesma direção e sentido. É realmente como se a força houvesse sido transmitida ao longo da barra e tivesse sofrido uma alteração no seu módulo, mas não na direção e nem no seu sentido.
– Isso, mesmo! Então você pode dizer que a segunda força depende da primeira e que cada componente da mesma depende da respectiva componente da outra. A componente no eixo dos X de uma é uma função apenas da componente no eixo dos X da outra e assim por diante para as demais componentes. OK?
– OK! Então isso é a tal da transformação vetorial. Eu transformo um vetor em outro vetor no qual cada componente depende apenas da respectiva componente do outro vetor. E o tensor?
– Bem, considere, agora que em lugar de uma barra de ferro, você tem agora uma barra de geleia. E que você novamente empurra essa barra exercendo uma força em um ponto em uma das extremidades da barra. Nós já sabemos que do outro lado dessa barra, em outro ponto, vai haver uma outra força. OK?
– OK! Mas, professor, a geleia é mole e ao empurrarmos a barra, ela vai se deformar, não é?
– Exatamente! E por isso mesmo a força que surge do outro lado não tem necessariamente a mesma direção e o mesmo sentido da força exercida na primeira extremidade. Mas, elas ainda estão relacionadas uma com a outra. Só que agora essa relação é bem mais complicada. Se no caso da barra de ferro, a componente em X da segunda força só dependia do valor da respectiva componente em X da primeira força e assim por diante, agora a coisa é diferente e mais complexa.
– Como, assim, professor?
– Cada componente da força na outra extremidade da geleia depende das de cada uma das três componentes da força exercida na primeira extremidade. A componente em X da segunda força depende da componente em X da primeira força, mas depende também das duas componentes em Y e em Z da primeira força. E o mesmo de dá para as duas outras componentes da segunda força. Logo ...
– Quer dizer, então, professor, que nesse caso da geleia, a segunda força está ligada à primeira força não por apenas três equações, como no caso da barra de ferro, mas por 3 x 3 = 9 equações?
– Exatamente! E esse tipo de transformação que envolve nove equações não se chama mais de vetorial, mas sim tensorial. O tensor é esse novo ente matemático que como no caso da geleia transforma o primeiro vetor no segundo. Sacou?
– Quer dizer, então, que todas as vezes que eu tiver forças em um meio não rígido, em um meio maleável, eu vou precisar dessas transformações mais complexas, ditas tensoriais?
– Exatamente! Acertou na mosca! E é esse o tipo de Matemática mais complexa e que é conveniente para meios deformáveis, que é necessária na construção da Teoria da Relatividade Geral. O número e a complexidade dessas equações aumentam incrivelmente. Mas, graças a esta Matemática e ao fato de haver considerado que os efeitos produzidos por uma aceleração são idênticos aos efeitos produzidos por um campo gravitacional, foi que Einstein conseguiu construir a sua Teoria da Gravitação, mais conhecida como Teoria da Relatividade Geral.
– Mas, por que a Relatividade Geral precisa dessa Matemática? Ela é não para ser usada mais em coisas do tipo geleia?
– Realmente, essa Matemática é bem adequada para estudar a coisas que se distorcem. A questão é que Einstein ao criar a sua Teoria da Relatividade Geral utilizou a nova ideia de contínuo espaço-tempo que seria algo como o próprio “tecido” do Universo. As deformações desse “tecido”, ou seja, do espaço-tempo, seriam análogas às deformações em superfícies e poderiam criar poços de potencial. A gravidade é vista na Teoria da Relatividade Geral como uma deformação no “tecido” do espaço-tempo. Uma analogia simplista, mas ainda assim um tanto esclarecedora é a de uma superfície de plástico estendida e sobre a qual você coloca uma bolinha de vidro. Se você tomar a superfície por baixo e a puxar por um ponto para baixo, formando algo parecido com um funil de paredes encurvadas, a bola vai sofrer a ação dessa curvatura como uma força agindo sobre a mesma.
– E essa curvatura do espaço-tempo está relacionada de que modo com a massa de um corpo?
Quanto mais massivo for um corpo, tanto maior será a curvatura local no espaço-tempo que o referido corpo poderá causar. E isso afetará a trajetória possível de ser seguida nesta região até mesmo pela luz. O grande físico John Archibald Wheeler, que foi o orientador do Richard Feynman, tinha uma frase muito feliz sobre essa característica da Relatividade Geral. Ele dizia que “a matéria diz ao espaço como se curvar e o espaço diz à matéria como se mover”.



 – Mas, professor, o que é que a Teoria da Relatividade Geral tem a ver com a tal da Energia Escura?

– Tudo! Nós, agora já estamos bem mais perto do nosso assunto do prêmio Nobel deste ano de 2011. Mas, eu posso almoçar, agora? Depois do almoço a gente continua e eu lhe conto a parte que mais lhe interessa dessa história, ou seja, de onde vem a origem dessa tal de Energia Escura e o que é que o velho Einstein tem a ver com isso tudo. E em seguida a gente vê como a coisa evoluiu e chegou aos tempos atuais.
– O senhor quer dizer como essa coisa chegou até o trabalho desses três caras que ganharam o prêmio Nobel deste ano, não é?
– Não! Até os dias atuais, mesmo. Após o trabalho deles. Eles ganharam o prêmio Nobel devido aos seus belos trabalhos de 1998, trabalhos esses que constataram, para surpresa geral naquela época, que a expansão do Universo está se acelerando; mas a Física evoluiu desde então. Nós, afinal, já estamos em 2011. Eles mereceram e muito esse prêmio, mas vamos conversar não apenas até onde eles chegaram; mas também até onde estamos nos dias de hoje nesse assunto. OK?
– OK, professor. Vou engolir correndo o meu almoço e voltar logo.
– Cuidado que apressado come cru. Eu vou comer o meu bem devagar. Depois, eu coloco no meu BLOG a segunda parte dessa nossa conversa de depois do almoço sobre as origens da ideia de Energia Escura até os dias atuais.


PARA CITAR ESTA FONTE: Medeiros, Alexandre. Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Primeira Parte). Física e Astronomia_Alexandre Medeiros, BLOG.
http://alexandremedeirosfisicaastronomia.blogspot.com/2011/10/nobel-de-fisica-2011-dialogos-sobre_11.html. Acessado em 8 de Outubro de 2011. (atualizar a data)

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