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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Teoria Quântica e Luminescência: Como os Vagalumes Produzem Luz?



Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds – Professor de Física e Astronomia, UFRPE)
SÉRIE DE TEXTOS: A FÍSICA NO DIA A DIA
AUTOR: Alexandre Medeiros
TÓPICO: TEORIA QUÂNTICA; LUMINESCÊNCIA: A luminosidade dos Vagalumes
TÍTULO DO ARTIGO: Como os Vagalumes Produzem Luz?


As lanternas dos vagalumes são formadas por três tipos de camadas. A camada mais interna atua como um refletor da luz. Na verdade, este tipo de camada interna refletiva é composto de várias camadas superpostas de pequenas células refletivas. A camada intermediária da lanterna contém as células produtoras de luz, denominadas de fotócitos. Esses fotócitos contêm nervos, tubos de ar e dois tipos principais de compostos químicos: um substrato denominado luciferina e uma enzima luciferase. A camada mais externa da lanterna é clara e transparente, transmitindo a luz para o meio exterior.

Os vagalumes são besouros que emitem uma luz fria, ou seja, praticamente sem emissão de calor ou com uma baixíssima emissão de calor em relação à energia presente na radiação luminosa emitida. Há muitos outros exemplos de processos físicos que envolvem a emissão de luz fria e todos eles são categorizados como pertencentes ao fenômeno da luminescência. A luminescência não é regida pelas mesmas leis físicas válidas para a radiação térmica da incandescência.
Deste modo, por exemplo, a conhecida lei de Wien para os deslocamentos das raias espectrais da radiação térmica, que vale tanto para a radiação solar quanto para aquela proveniente de uma lâmpada incandescente de filamento, não vale para a luminescência.
Há vários tipos de luminescência, dependendo da origem das formas de excitação eletrônica que a produz e das características da radiação luminosa fria emitida. Ela pode ser produzida, por exemplo: por choques mecânicos ou mudanças nas tensões existentes em cristais (triboluminescência), por uma excitação atômica transitória induzida por uma radiação eletromagnética (fluorescência) ou não transitória (fosforescência), pelo movimento de partículas subatômicas (eletroluminescência), por reações químicas (quimiluminescência) ou por reações bioquímicas ocorridas em determinados processos fisiológicos, como no caso do vagalume (bioluminescência) e de outros animais.


A luz dos vagalumes é produzida em órgãos especiais (denominados de “lanternas”) localizados na parte de baixo do abdômen desses insetos. Seu abdômen é composto de vários segmentos, estando as lanternas localizadas no segundo e no terceiro destes segmentos, contados a partir da ponta de seu abdômen (cauda). As cores das lanternas dos vagalumes variam do verde amarelado ao laranja, passando pelo vermelho, cor emitida por um único grupo de coleópteros que é encontrado exclusivamente no Brasil.
Como, entretanto, a luz é quimicamente e fisicamente produzida no interior dos fotócitos?
A luz é produzida nos tubos de ar dos fotócitos quando a luciferina é ativada pela adenosina trifosfato (ATP), substância que fornece energia às células, em uma reação catalisada (acelerada) pela enzima luciferase, ao se combinar com o oxigênio produzindo a oxiluciferina. A desativação da oxiluciferina libera energia na forma de luz fria. Diferentes pares luciferina-luciferase podem produzir fótons de diferentes comprimentos de onda com a emissão de luzes de cores distintas.


Os vagalumes podem controlar a luz produzida nos fotócitos de suas lanternas através da regulagem do fluxo de oxigênio em sua traqueia que está ligada à região do abdômen. Devido a esse controle, eles conseguem emitir regularmente determinados padrões luminosos. Nesse sentido, o oxigênio é o combustível que os ajuda a criar a luz por eles emitida. Para piscar, o cérebro do vagalume emite um neurotransmissor (octopamina) que aciona o funcionamento do processo químico acima descrito nos fotócitos do abdômen.
Uma quantidade relativamente grande de energia de excitação é necessária para produzir luz visível, algo da ordem de 40-70 kcal. A extraordinária eficiência da emissão bioluminescente requer que ela seja considerada em termos energéticos tratados em bases quânticas. No vagalume, a energia liberada é direcionada de forma muito eficiente para a produção de um estado eletronicamente excitado das moléculas bioluminescentes resultantes da oxidação da luciferina. Os rápidos relaxamentos subsequentes desses estados excitados para o estado fundamental é que são responsáveis pela emissão de fótons de luz visível. Para cada molécula de ATP que é consumida na oxidação da luciferase, um fóton de luz é gerado. Assim, quanto maior for a concentração de ATP, maior será a intensidade da luz emitida. Este processo físico luminescente de excitações e de relaxamentos eletrônicos, regido pela Mecânica Quântica, e iniciado quimicamente pela oxidação da luciferina, é denominado de CIEEL (da sigla em inglês Chemically Initiated Electron Exchange Luminescence), mas a complexidade de seu detalhamento foge do alcance da presente discussão.


PARA CITAR ESTA FONTE: Medeiros, Alexandre. Como os Vagalumes Produzem Luz? Física e Astronomia_Alexandre Medeiros, BLOG.

sábado, 15 de outubro de 2011

Entrevista com Leopold Infeld: Uma História Saída das Sombras

Em Agosto de 2003 eu e o professor Rogério Porto publicamos no Caderno Brasileiro de Ensino de Física (Vol. 20, N. 2, Agosto 2003) um artigo intitulado: Entrevista com Leopold Infeld: Uma História Saída das Sombras. O referido texto, está disponível ON LINE no site da revista no LINK:


Eric Rogers e o Ensino da Física Moderna

Em Marco de 2007 eu publiquei um artigo na revista Física na Escola (Vol. 8, N. 1) tratando da importância da inclusão da Física Moderna no ensino nas nossas escolas. Para isso, fiz um retrospecto da contribuição de um importante físico e educador inglês que se notabilizou por esta mesma defesa: Eric Rogers. O artigo, deste modo, era intitulado: ERIC ROGERS E O ENSINO DA FÍSICA MODERNA. O referido texto está disponível ON LINE no site da revista e o LINK é o que se segue:


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Einstein, a Física dos Brinquedos e o Princípio da Equivalência

Em 2005 a professora Cleide Medeiros e eu publicamos um artigo no Caderno Brasileiro de Ensino de Física (Col. 22, N. 3, pp. 299-315, Dezembro 2005) cujo título era: Einstein, a Física dos Brinquedos e o Princípio da Equivalência. O texto está ON LINE no site da revista e o seu LINK está logo abaixo:

Entrevista com Einstein: Dos Mistérios da Física Clássica ao Nascimento da Teoria Quântica

Em 2005, ano Internacional da Física, eu publiquei um artigo no estilo de uma “entrevista” fictícia como Einstein na revista Física na Escola (Vol. 6, N. 1). Seu título era: Entrevista com Einstein: Dos Mistérios da Física Clássica ao Nascimento da Teoria Quântica. O texto está ON LINE no site da citada revista e o LINK do mesmo encontra-se abaixo.

Aston e a Descoberta dos Isótopos

Em Novembro de 1999 eu publiquei um artigo na revista Quimica Nova na Escola (número 10) intitulado: Aston e a Descoberta dos Isótopos.

No referido artigo eu mostrei como Francis Aston teve de superar sérios obstáculos epistemológicos em seus trabalhos de descoberta de isótopos não radioativos e que lições históricas, filosóficas e educacionais nós podemos tirar do estudo deste importante evento na história da Química  Este trabalho está disponível ON LINE no site da referida revista, no LINK abaixo:







terça-feira, 11 de outubro de 2011

Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Segunda Parte)

Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds – Professor de Física e Astronomia, UFRPE)




De volta do almoço, pula à minha frente, novamente, a caixinha de bate-papo no FaceBook:
– E então professor? Como é? A ideia de Energia Escura nasceu na Relatividade Geral?
– Bem, a ideia de Energia Escura, tal como ela é hoje em dia, ou seja, um construto criado para explicar a aceleração da expansão do Universo não é exatamente a mesma que Einstein sugeriu em sua Teoria da Relatividade Geral, mas guarda uma forte semelhança.
– Como assim? Não entendi! O Einstein propôs ou não propôs originalmente essa ideia de Energia Escura?
– Ele propôs algo bem parecido, mas não exatamente a mesma coisa. É que o Einstein NÃO acreditava originalmente em um Universo em expansão. O motivo para isso era em parte derivado de sua religiosidade cósmica, ou mais precisamente, do seu panteísmo, da influência por ele recebida da leitura dos escritos de Spinoza.
– Professor, eu não entendi nada de nada do que o senhor disse. O que é que isso da Energia Escura pode ter a ver com a religiosidade dele? O que é esse negócio de panteísmo e quem foi esse tal de Spinoza?
– Calma vamos, por partes! Einstein foi muito religioso até os doze anos de idade, isso segundo ele mesmo conta. Essa história da religiosidade do Einstein está contada naquele nosso livro “Einstein e a Educação”. Após os doze anos, tendo lido Spinoza, ele sofreu forte influência do pensamento desse filósofo holandês de origem judaica. Spinoza foi um filósofo do século XVII (1632–1677), contemporâneo de Newton e que defendia a coincidência entre Deus e a Natureza. Para ele, Deus não reinava sobre a Natureza; Deus seria a própria Natureza. Essa doutrina se chama de panteísmo. Spinoza foi muito combatido em sua época tanto pelos cristãos quanto pelos judeus. Einstein pensava de modo muito parecido, mas um pouco diferente. Einstein não acreditava que a ordem matemática existente no Universo fosse apenas produto do acaso; mas identificava Esta Ordem matemática existente na Natureza e não a própria Natureza com Deus.
– OK, Deu para entender. Mas, o que é que isso tem a ver com a sua concepção de Universo e mais ainda com a Energia Escura?
– Calma! Você vai entender, logo. Einstein não acreditava em um Deus que interferisse nos destinos da Natureza e muito menos em um Deus que se envolvesse no destino dos homens, como é o Deus dos judeus, dos cristãos e dos mulçumanos. Esse que se mete até em resultados de partidas de Futebol.
– Risos ...
– Pois bem! Apesar de Einstein ser judeu e muito apegado às tradições culturais judaicas, ele não se mostrava inclinado a aceitar o Deus dos judeus. Essa antropoformização da figura divina, por várias vezes ele classificou como algo simplesmente infantil.  Assim sendo, por não acreditar em um Deus que rege sobre a Natureza ou em um Deus Criador do Universo, Einstein se via compelido a conceber um Universo Eterno e, portanto sem momento de criação e sem um fim.
– OK! Isso parece interessante. Mas, novamente, o que isso tem a ver com a Relatividade Geral?
– É que as equações da sua Teoria da Relatividade Geral, ou seja, da Teoria da Gravitação, indicavam que a atração gravitacional da matéria produziria necessariamente um Universo em contração. Para evitar este inevitável colapso do Universo, Einstein postulou a existência de uma misteriosa “força antigravitacional”. Mas, não para garantir a expansão do Universo; apenas para equilibrar a força da gravidade.
– E a Energia Escura, como aparece?
– Veja! Essa “força antigravidade” aparece em suas equações na forma de uma constante de correção à qual ele denominou de constante cosmológica. É neste sentido, de ser uma misteriosa força que se opõe à força gravitacional, que a sua constante cosmológica pode ser tida como uma legítima precursora da ideia posterior de Energia Escura.
– Entendi! Legal! Mas, Einstein continuou pensando assim até a sua morte?
– Não! Logo após conhecer os resultados das observações astronômicas do astrônomo americano Edwin Hubble em 1929, ele mudou de ideia e chegou mesmo a afirmar que a tal constante cosmológica havia sido o seu maior erro. Ele admitiu, a contragosto, que o Universo parecia mesmo estar mesmo em expansão como um resultado de uma “explosão inicial”, como outros passaram a defender. E, assim, sendo, a sua constante cosmológica já não tinha nenhuma razão de existir. Ele a abandonou para sempre. Mas, ela retornou, após a sua morte tempos depois, agora reformulada como a tal da Energia Escura. Mas, isso foi bem recentemente e ainda há muito que dizer até que possamos entender de onde veio essa conclusão.
– O Hubble mostrou que o Universo estava em expansão, não foi?
– Não, exatamente! Isso é o que muitos dizem, mas está errado. Hubble começou ampliando os limites do Universo. Os novos e poderosos telescópios (como por exemplo, o do observatório do Monte Wilson, na Califórnia) já haviam revelado que muitas “nebulosas”, coisas que até então eram tidas apenas como nuvens de gases, eram, na verdade, compostas de inúmeras estrelas. Mas, surgiu então o grande debate sobre onde estariam localizadas esses tais aglomerados de estrelas.
– Como assim?
– Até então o Universo era a Via Láctea. Ou seja, supunha-se que tudo que era observado estava dentro da Via Láctea. Mas, ao se perceber que aquelas “nuvens” ou “nebulosas” eram na verdade um enxame de estrelas, muitos se perguntaram se elas não seriam outras galáxias fora da nossa. Algo, como Universos-ilhas, para usar uma velha expressão que o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) já utilizara no século XVIII de forma intuitiva.
– E quem ganhou essa parada?
– Claro, que foram os defensores dos novos Universos-ilhas. E isso aumentou imensamente os limites do Universo imaginado. Mas, para isso foi necessário determinar a que distâncias estavam as tais “nebulosas”.
– E quem conseguiu isso?
Edwin Hubble!
– Puxa, professor! Quer dizer que o Hubble inventou um método de determinar aquelas distâncias? O cara era macho, mesmo!
– Você, agora, foi preconceituoso e acabou de cometer um grave erro.
– Preconceituoso, eu? Não, nunca! Por que?
– Porque você se referiu ao aparente sucesso imaginado para o Hubble atribuindo isso à característica exclusiva de ele ser macho. E ...
– Isso é só uma maneira de falar, professor. Eu estava apenas brincando, mas qual foi o meu erro?
– O erro foi supor que Hubble tenha descoberto esse método de determinação das distâncias das estrelas. Não foi ele quem descobriu o método. Ele foi, na verdade, muito feliz ao encontrar algo que se adequava perfeitamente ao tal método previamente criado por outra pessoa. Sem dúvida, ele teve seus méritos nessa descoberta, mas não o da criação do método.
– Tudo bem, professor. Eu retiro o que disse antes. Macho, mesmo, foi o cara que criou esse tal método. O Hubble fez apenas a parte dele. Mas, quem foi esse cara, bom de tapa?
– Foi uma cara! Não foi um cara! Seu nome era Henrietta Leavitt.
– O que? E como ela fez isso?
– Observando placas fotográficas oriundas do Observatório de Arequipa, no Peru, ela descobriu que um grupo de estrelas variáveis, ou seja, estrelas cujo brilho oscilava, parecendo pulsarem, apresentava uma relação de proporcionalidade nessa pulsação. Essas estrelas pulsavam com períodos proporcionais ao seu brilho.
– Mas, eu não imagino como isso possa servir para determinar distâncias de estrelas.
– Pois, a Henrietta Leavitt imaginou! Está vendo?
– Está vendo o que, professor?
– Nada! O fato é que o trabalho feminino sempre foi desvalorizado na Ciência. Mas, se formos entrar nesse assunto dá outra conversa ainda mais longa. O que importa no momento, é que ela intuiu, muito inteligentemente, que isso permitiria medir distâncias se você conhecesse uma estrela daquele tipo cuja distância já fosse anteriormente conhecida. Neste caso, poder-se-ia usar essa tal estrela como sendo uma espécie de “vela padrão”.
– O que danado é isso de “vela padrão”, professor?
É uma estrela semelhante a outras (cujas distâncias se quer medir) e cuja distância à Terra já é conhecida. Ela serve de comparação para se determinar as distâncias das outras semelhantes a ela. Se você sabe que uma estrela daquele mesmo tipo está a uma distância diferente, basta comparar os seus brilhos e levar em conta a lei do inverso do quadrado para a variação do brilho aparente. A mesma coisa se faz ainda hoje em dia usando ouros tipos de “vela padrão”. Para distâncias bem maiores se usa explosões de supernovas do tipo Ia, como esses três pesquisadores que ganharam agora o Nobel fizeram em 1998. Para determinar a recessão acelerada das galáxias longínquas, eles usaram esses dados em combinação com os dados do efeito Doppler.
– Para, para! Estou voando nesse tal negócio de “vela padrão” ainda e agora no tal do “efeito Doppler”. Como é isso, mesmo?
– Veja essa figura que estou lhe enviando por e-mail.
– Para que e-mail professor? Bota ela no seu Mural do Facebook que eu estou olhando para ele.
– OK! Acabei de fazer isso! Já viu? Não é incrível? A figura ilustra como os brilhos de estrelas semelhantes à nossa “vela padrão” vão caindo com o inverso do quadrado da distância.



– Mas, qual era a vela padrão que o Edwin Hubble usou para achar a expansão do Universo?
– Ele usou um tipo de estrela semelhante às que Henrietta Leavitt havia estudado antes para achar a sua relação matemática entre o brilho e o período de pulsação de suas estrelas variáveis. Logo depois do estudo dela, um astrônomo chamado Ejnar Hertzprung descobriu algumas estrelas do mesmo tipo e que cujas distâncias poder-se-iam determinar por outros métodos mais antigos na constelação de Cefeu. Dai elas se chamarem de “cefeídas”. São estrelas variáveis, exatamente como aquelas que Henrietta Leavitt havia estudado. E é aqui que entra o Edwin Hubble.
– Como?
– Ele descobriu algumas estrelas desse mesmo tipo “cefeidas” em uma nebulosa cuja distância se colocava em questão. E ele mostrou, usando o método de Henrietta Leavitt, que as tais estrelas estavam a milhões de anos luz da Terra, ou seja, que elas não podiam estar no interior da Via Láctea. Subitamente, o Universo que se reduzia à Via Láctea, cresceu de tamanho.
– Isso é a tal expansão do Universo, falada?
– Não! Eu falei de forma metafórica. O que eu disse foi que o ser humano percebeu que o Universo era muito maior realmente do que apenas a Via Láctea. Que aqueles aglomerados de estrelas eram outras galáxias como a nossa e muito mais distantes de nós. Foi isso.
– Mas, Hubble não descobriu a expansão do Universo?
– Não, exatamente! Mas, ele colaborou decisivamente para que outros afirmassem isso.
– O que o Hubble fez, então?
– Bem, isso já foi um outro trabalho dele. Não confunda! Ele fez a luz de estrelas distantes passar em um espectroscópio obtendo assim as suas raias espectrais. Uma espécie de impressão digital da mesma.
– Por que impressão digital?
– Porque cada elemento químico tem a sua própria e inconfundível assinatura que é o seu conjunto de raias espectrais em posições bem definidas. A luz proveniente de uma estrela nos mostra, assim, a composição química de sua atmosfera gasosa de onde provém a luz. Veja essa outra figura que acabei de postar. Ela mostra a luz proveniente da queima de cloreto de sódio e o que acontece quando se passa essa luz por um prisma. Veja as raias que se formam no seu espectro. Isso é o que a gente chama de um espectro de emissão. Sacou?


– Saquei! Quer dizer que analisando assim a luz das estrelas a gente também pode descobrir a sua composição química?
– Isso, mesmo!
– Tudo bem! Mas, e a expansão do Universo?
– Observe na figura do espectro anterior que de um lado está o vermelho e do outro lado está o azul. Cada elemento tem o seu conjunto de raias, mas quando a fonte de luz está em movimento em relação ao observador essas raias se compactam para um lado e se separam para o outro. Se compactam para o lado das frequências maiores, que é o lado do azul, e se espalham para o lado das frequências menores, que é o do vermelho. Isso é o que a gente chama de efeito Doppler.
– Por que isso acontece?
– Porque a luz é uma onda e seu espectro sofre a ação do deslocamento da fonte emissora em relação ao observador como no caso do som. Veja como é o efeito Doppler no caso do som. Suponha que você encontra-se parado em uma rua e uma ambulância vem com a sirene ligada em sua direção. Ou que um carro de fórmula 1 ou uma motocicleta vem chegando e passa por você. Lembre-se do ronco do motor. Como é que ele se altera? O som é sempre igual?
– Não! Ele se altera, mesmo. Quando a moto vem chegando ela faz iiiiiimmmm... E quando ela passa e se afasta da gente ela faz oooommmmm .... Não é?
– É! E o que é esse iiiimmmmmmm? E esse oooommmmmm? O primeiro é um som mais agudo, de maior frequência, o iiiimmmmm e o outro, o oooooommmm, é um som mais grave, de menor frequência.
– Mas, por que isso acontece? Por que a frequência do som que nós ouvimos muda tão claramente de um som agudo quando a fonte sonora se aproxima de nós para um som grave, quando ela se afasta? Por que ao se aproximar ouvimos um som de alta frequência e ao se afastar a frequência desse mesmo som diminui?
– Porque as ondas se empacotam umas sobre as outras quando a fonte de ondas se aproxima e essas mesmas ondas se afastam umas das outras quando a fonte se afasta. Veja a figura que segue. Ela mostra uma moto se aproximando de um observador e se afastando de outro. Observe o que ocorre com as ondas. Veja o empacotamento das frentes de onda do lado que se aproxima do observador e o afastamento dessas frentes de onda do lado que se afasta do observador. Sacou?


– Que legal professor! Entendi. Mas e com a luz?
– Com a luz acontece algo semelhante, ou seja, ela também apresenta o efeito Doppler que nada mais é que a influência do deslocamento da fonte em relação ao observador na definição do comprimento de onda e da frequência que será percebida pelo referido observador. Só que frequência mais alta no caso da luz significa que as raias espectrais se deslocam para o lado azul e a fonte então deve estar se aproximando do observador. O que se denomina então de deslocamento para o azul.
Veja a figura que segue agora. Ela representa exatamente o efeito Doppler para a luz.


– Entendi! Quer dizer que se uma estrela estiver se afastando de nós o seu espectro vai apresentar todas as suas raias espectrais deslocadas em conjunto para o lado vermelho, o lado das menores frequências.
– Isso, mesmo! Bom garoto! Risos ...
– Então, deve ter sido isso que o Edwin Hubble percebeu ao observar a luz das estrelas distantes.
– Exatamente isso! Quanto maior eram as distâncias das estrelas por ele observadas, maior era também o “deslocamento para o vermelho” de seus espectros. Agora, note que são duas coisas separadas.
– O que?
– A determinação das distâncias das estrelas e a determinação do deslocamento para o vermelho dos seus espectros. São coisas bem distintas uma da outra.
– Entendi! As distâncias das estrelas o Edwin Hubble determinou usando aquele tal do método da vela padrão que a Henrietta Leavitt iniciou e o Ejnar Hertzprung completou.
– Isso! E o deslocamento para o vermelho?
– Esse deslocamento para o vermelho ele achou observando o espectro da luz e como as raias se deslocavam em conjunto.
– Muito bem! Você leva jeito!
– Obrigado, professor, mas eu ainda estou encucado com o fato de o senhor haver dito que esse deslocamento para o vermelho não implicava para Hubble em um afastamento das galáxias. Eu sempre pensei que havia isso que ele havia descoberto. Essa não é justamente a interpretação conferida a esses dados com o auxílio do efeito Doppler que o senhor acabou de falar?
– Exatamente! E outros interpretaram assim, mas não Hubble. Ele era um indutivista convicto e não queria dizer nada mais do que os dados lhe permitiam. A interpretação desses dados do deslocamento para o vermelho como um sinal da expansão do Universo foi obra de outros. Ele mesmo acreditava em um outro tipo de explicação, mas também nunca lutou por ela. Era a chamada ”teoria dos fótons cansados”. Mas, ao final ele aceitou de bom grado a interpretação vencedora dos seus dados. E vaidoso como ele era, aceitou também de bom grado as honrarias que lhe foram conferidas por ele haver supostamente descoberto algo que ele, de fato, nunca disse. Sacou?
– Tudo bem! Mas, seja como for, essa interpretação do deslocamento para o vermelho da luz das estrelas distantes como sendo um sinal de que o Universo está em expansão terminou por se impor, não foi, professor?
– É verdade, mas houve muita resistência. Por melhor que fosse o argumento do efeito Doppler, outros não concordaram com ele de imediato e a Teoria do Universo Estacionário do inglês Fred Hoyle dominou até 1968, quando foi finalmente destronada pela Teoria do Big Bang.
– Como a teoria do Big Bang se impôs professor? E por que não se aceitou ela, logo, de imediato? E como a questão da Energia Escura voltou à cena depois da desistência de Einstein do seu conceito de constante cosmológica? E onde entra nessa história a tal da matéria escura?
– Bem, nós já estamos bem perto de chegar ao ano 1998, quando se deram as descobertas que levaram ao premio Nobel de 2011. Já chegamos aos anos 60. Mas, realmente, ainda falta muita coisa para lhe contar. Eu vou descansar um pouco e amanhã continuo essa história, ok?
– OK, professor! Amanhã teremos outro capítulo dessa novela; a novela da Energia Escura.
– É verdade! Amanhã a gente deve chegar ao terceiro e último episódio dessa novela. Avise aos leitores do nosso BLOG que o próximo e último capítulo será postado brevemente. Risos ...




PARA CITAR ESTA FONTE: Medeiros, Alexandre. Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Segunda Parte). Física e Astronomia_Alexandre Medeiros, BLOG.
http://alexandremedeirosfisicaastronomia.blogspot.com/2011/10/nobel-de-fisica-2011-dialogos-sobre_11.html. Acessado em 12 de Outubro de 2011. (atualizar a data)



segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Radiação de Corpo Negro: Janelas Escuras em Edifícios

Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds – Professor de Física e Astronomia, UFRPE)

SÉRIE DE TEXTOS: A FÍSICA NO DIA A DIA
AUTOR: Alexandre Medeiros
TÓPICO: RADIAÇÃO DE CORPO NEGRO
TÍTULO DO ARTIGO: Janelas escuras em edifícios

Quando, da janela do quarto de um apartamento, olhamos, durante o dia, para a janela de um edifício vizinho; ela parece escurecida. Entretanto, no interior de nosso quarto, tudo parece claro, mesmo sem acendermos qualquer lâmpada. Curiosamente, o nosso vizinho poderia dizer o mesmo da nossa janela. Por que isso acontece?



Ao olharmos para uma janela aberta em um dia claro, ela nos parecerá escura, porque a luz do Sol desaparece na cavidade em que o quarto se constitui; cavidade esta delimitada por um orifício de acesso da radiação que é a janela. Esta cavidade é uma boa representação do conceito físico de um corpo negro

Dizemos que um corpo negro, é aquele que não reflete nenhuma radiação que incide sobre ele. Isso porque qualquer feixe de luz incidente sobre o pequeno orifício é refletido, para todos os lados, nas paredes interiores da cavidade, até a luz ser absorvida por estas  paredes ou pelo gás existente no interior da cavidade.



Deste modo, as chances de a luz incidente conseguir abandonar inalterada a cavidade são mínimas. Isso não significa que o orifício não possa emitir a sua própria radiação, a qual pode ser medida ao sair do orifício.A luz que entra na cavidade é absorvida pelas suas paredes e se alguma radiação (diferente da radiação incidente) vier a sair desta cavidade, não o será por reflexão; mas, sim por emissão destas mesmas paredes, e ela será uma função da temperatura das mesmas.

Entretanto, na ausência de qualquer tipo de radiação proveniente da cavidade, ela então parecerá realmente negra porque nenhuma parte da luz que incide sobre a mesma é redirecionada ou espalhada em direção aos nossos olhos.


Na verdade, um corpo negro não precisa ser de cor preta. Por exemplo, ao olharmos a janela do edifício distante, ela nos parece escura, mesmo se suas paredes estiverem pintadas de branco; então. a janela é considerada por nós um corpo negro.

Contudo, se pessoas, no interior do quarto em questão, ligarem uma lâmpada, ele não mais nos parecerá escuro (mesmo à noite). A janela, porém, ainda permanece, em uma primeira aproximação, sendo uma boa representação de um corpo negro, pois a luz externa ainda continuará desaparecendo ao atravessar a mesma.


A luz incidente ainda estará sendo toda absorvida nas paredes da cavidade (as paredes do quarto, cuja entrada é a referida janela).

PARA CITAR ESTA FONTE: Medeiros, Alexandre. Janelas escuras em edifícios. Física e Astronomia_Alexandre Medeiros, BLOG.
http://alexandremedeirosfisicaastronomia.blogspot.com/2011/10/fisica-no-dia-dia003-janelas-escuras-em.html Acessado em 10 de Outubro de 2011. (atualizar a data)

sábado, 8 de outubro de 2011

AGÊNCIA FRANCE PRESS comete ERROS na Notícia do NOBEL 2011


Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds - Professor de Física e Astronomia, UFRPE)



Nos três últimos dias, ao tentar escrever um ARTIGO para o meu BLOG sobre o recente Prêmio Nobel de Física de 2011, li as notícias sobre esse assunto publicadas em vários jornais pelo mundo e notei um inquietante padrão de equívocos. A AGÊNCIA FRANCE PRESS cometeu dois erros grosseiros ao divulgar apressadamente a referida notícia e muitos jornais e revistas ao redor do mundo, inclusive no Brasil, espalharam os tais erros sem perceber.
A AGÊNCIA FRANCE PRESS afirmou inicialmente que: “o fato de a luz (das Supernovas do tipo Ia) ser menos intensa do que o esperado implicava que as estrelas estavam mais longe do que se acreditava”. Isso está CORRETO. De fato, isso é uma mera consequência da velha lei do inverso do quadrado da distância para os iluminamentos e também do fato complementar de que esse tipo de supernova Ia sempre explode com a mesma intensidade luminosa. Mas, ai então, se segue o primeiro erro na notícia.
O primeiro erro: A AGÊNCIA FRANCE PRESS acrescenta que devido a essa mesma queda na luz observada daquelas supernovas Ia pode ser constatada “que elas se afastavam mais rapidamente”.
O erro está no fato de a AGÊNCIA FRANCE PRESS dizer que foi a queda da luminosidade observada das supernovas que deu essa informação de que as mesmas estavam se afastando. Essa informação quem fornece é o “red shift” da luz, ou seja, o “deslocamento para o vermelho” das raias espectrais da luz proveniente da referida supernova. É preciso passar a luz proveniente dessas supernovas em um espectroscópio e analisar a direção do deslocamento de suas raias espectrais para se dizer se elas estão se afastando ou se aproximando. Isso é uma consequência do efeito Doppler e não tem nada a ver com a lei do iluminamento que estava certa apenas na primeira parte da notícia.
E mais: a ideia de que a expansão do Universo estava sendo acelerada só foi possível aos três ganhadores atuais do Premio Nobel inferir através da análise cuidadosa de várias (mais de cinquenta) explosões de supernovas Ia devido à correlação de suas distâncias crescentes com suas velocidades também crescentes obtidas com o auxílio da Lei de Hubble. A notícia deixa no ar que a referida descoberta teria sido feita com uma única observação de uma dessas explosões e apenas corroborada com a demais, o que é um equívoco
O segundo erro da AGÊNCIA FRANCE PRESS foi o ENORME EXAGERO de afirmar, logo em seguida, que: “há mais de 100 anos, grande parte da comunidade científica acredita que o universo está em expansão por causa do Big Bang”.
Como se sabe, o Big Bang é uma Teoria bem mais recente e que só veio a obter uma ampla aceitação na comunidade científica a partir de 1968, após a descoberta por Arno Penzias e Robert Wilson da chamada “radiação de fundo”, por ela prevista. Esta descoberta, inclusive que lhes valeu o prêmio Nobel de Física de 1975. Antes disso, a Teoria do Universo Estacionário do cosmólogo inglês Fred Hoyle era bem mais aceita entre os cientistas em geral.
Mesmo que nós atribuíssemos equivocadamente (como fazem muitos) a proposição inicial da Teoria do Big Bang, ou ainda da ideia mais simples do Universo em Expansão, ao americano Edwin Hubble (que nunca advogou publicamente essa teoria, mas que apenas descobriu o Red Shift que levou a ela); ainda assim, tal descoberta de Hubble se deu em 1929 e foi publicada em seu célebre artigo, enviado à Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, com o título: “Uma Relação entre as Distâncias e as Velocidades das Nebulosas Extragalácticas”.
Certamente, o marco teórico mais antigo, mas ainda meramente conjectural do Big Bang, pode ser encontrado um pouco antes, em 1927, na obra do astrônomo e padre belga George Lemaitre.
Mesmo que tomássemos o artigo de Hubble com o marco original do Big Bang (o que já seria um enorme exagero) ou o trabalho visionário de Lemaitre, ainda assim não chegaríamos nem perto dos tais aludidos 100 anos da Teoria do Big Bang, alegados pela AGÊNCIA FRANCE PRESS.
Portanto: Menos, senhores redatores franceses, menos!
Calmez-vous, il est l'argile sacrée ; lentement avec l'argile de la sainte! Ou seja, em bom português : devagar com o andor que o santo é de barro!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Primeira Parte)

Alexandre Medeiros (PhD, University of Leeds – Professor de Física e Astronomia, UFRPE)



Na última terça-feira, dia 3 de Outubro, o prêmio Nobel de Física de 2011 foi concedido aos cientistas americanos Saul Perlmutter, Brian Schmidt (nascido na Austrália), e Adam Riess pelos seus trabalhos relacionados com a observação de explosões de estrelas Supernovas do tipo Ia e a consequente descoberta em 1998 da Expansão Acelerada do Universo cuja interpretação conduziu ao conceito ainda misterioso de Energia Escura. A foto abaixo mostra-os, nesta mesma ordem, da esquerda para a direita.


Justamente naquele dia, eu que costumo acordar cedo para olhar as notícias dos jornais pelo mundo, não havia feito isso. Estava ocupado demais tentando transferir minhas Notas do Facebook para o meu novo BLOG.
As mensagens dos amigos, colegas, alunos e ex-alunos, entretanto, começaram a pipocar no bate papo do FB e não consegui mais trabalhar no meu BLOG. Passei quase todo o dia conversando sobre o Nobel deste ano. As perguntas e observações eram variadas, muitas delas repetidas, outras bem originais. Passei também um bom tempo ao telefone conversando com amigos sobre esse troço. Revirei o baú da história da Física para tentar revisitar as origens e os nuances desse revolucionário conceito. No final do dia me ocorreu a ideia de reunir todas aquelas perguntas e observações dos amigos e ordená-las em uma única conversa construída intencionalmente com o propósito de esclarecer o caso. Nasceu, então, esse texto que se segue.

Pula a primeira caixinha de bate papo no FaceBook:
– Professor, o senhor viu a premiação do Nobel de Física de 2011? Acabou de ser anunciada na mídia.
– Não, não vi! O que foi?
– É sobre uma tal de Energia Escura. O senhor sabe o que é isso?
– Não! Ninguém sabe o que ela é! Nem os caras que ganharam o prêmio. Risos ...
– Como assim, professor? O senhor tá tirando onda comigo?
– Mais ou menos! Certamente quase todos os físicos sabem, por alto, do que se trata, mas ninguém sabe, ao certo, o que ela é mesmo. Há os que até se arriscam, temerariamente, em interpretar a Energia Escura como sendo "flutuações quânticas no tecido do espaço-tempo", mas mesmo esta interpretação sofisticada não é ainda um consenso entre os físicos e não está livre de problemas. Mas, para discutir isso de forma mais compreeensível e sem usar um simples palavrório empolado, ainda sem significado algum para o meu leitor, como a frase que acabei de usar sobre as tais "flutuações quânticas", é preciso fazer um retrospecto de como essa ideia de Energia Escura surgiu e de como ela evoluiu desde então.

– Mas, professor, de uma maneira, assim, mais simples; o que é que a gente pode dizer que é essa tal de Energia Escura; sem falar ainda nessas tais "flutuações quânticas" que eu nem desconfio o que é que são?

– Bem! A Energia Escura é o que a gente chama de um “construto” útil, ou seja, ela ainda é algo por ter o seu significado físico mais bem esclarecido. É algo que foi inventado propositalmente para dar conta da expansão acelerada do Universo. Não apenas da expansão do Universo, mas, sobretudo da aceleração dessa expansão.
– Foi isso que disseram na TV, mas eu não entendi como e nem por que. Dá para explicar melhor esse negócio?
– Acho que a melhor maneira de explicar esse assunto é colocar o mesmo em uma perspectiva histórica. Questionar, então, como o germe dessa ideia surgiu há muito tempo atrás, o que esses três ganhadores atuais do prêmio Nobel fizeram e como esse troço evoluiu até hoje, desde os seus trabalhos realizados no final do século XX.
– Isso tem a ver com a tal da matéria escura? E os buracos negros, professor?
– Calma! Essas coisas estão todas relacionadas, mas vamos por partes; uma coisa de cada vez. Caso contrário, vamos terminar confundindo alhos com bugalhos. É melhor começar a história do início.
– Então comece logo que eu já estou curioso.
– Essa coisa nasceu na Teoria da Relatividade. Então vamos ver logo como ela surgiu. Você sabe que no final do século XIX havia duas grandes crises fundamentais na Física. Ambas estavam relacionadas com a radiação eletromagnética. Uma delas dizia respeito às nossas dúvidas sobre como a radiação eletromagnética se propagava no espaço e a outra estava relacionada à própria natureza dessa radiação e à sua interação com a matéria. Quando eu falo de radiação eletromagnética, eu me refiro à luz visível, mas não apenas a ela e sim a todo o conjunto de diferentes frequências ao longo desse mesmo espectro.
– É aquele negócio do surgimento da Relatividade e da Teoria Quântica?
– Isso, mesmo! Da tentativa de responder à questão relacionada à propagação da radiação eletromagnética surgiria a Teoria da Relatividade enquanto da tentativa de responder a questão sobre a natureza da radiação eletromagnética e a sua interação com a matéria surgiria a Teoria Quântica. OK?
– OK, professor! Mas, o que é que isso tem a ver com a tal da Energia Escura?
– Calma! Você precisa saber como a coisa começou e como evoluiu para entender do que se trata o trabalho que ganhou agora o Nobel. Deixe-me continuar o assunto que daqui a pouco estaremos falando do que você perguntou.
– OK! Desculpe a minha pressa burguesa (Risos). Vá em frente!
– Pois bem! Vários fenômenos relacionados a esses dois grandes problemas com a radiação eletromagnética, estavam em jogo. Vamos concentrar nossas atenções, no momento, no caminho que levou à Relatividade, pois ele estará mais diretamente ligado ao tema atual da Energia Escura. A propagação da radiação eletromagnética era de grande importância prática, pois as transmissões de sinais elétricos com a telegrafia e com o início do radio já apontavam no horizonte. E havia também a questão da sincronização dos relógios, que era também algo vital para a segurança das linhas férreas. Mas, havia também um conjunto mais amplo de problemas ligados à transmissão desses mesmos sinais elétricos.
– Professor, o que é que a sincronização de relógios tem a ver com linhas férreas? E o que isso tem a ver com a propagação das ondas eletromagnéticas? Estou voando.
– Calma! Os trens, por uma questão de economia, viajam para lá e para cá em uma mesma linha férrea. Se não houver uma sincronização perfeita entre os seus horários de idas e vindas, pode haver um terrível acidente. Isso levanta a questão de como se pode garantir que um relógio em uma cidade está marcando o mesmo horário de outra cidade distante dela. Esse problema da simultaneidade dos relógios pode parecer trivial, mas não é. Ele foi alvo de intensas discussões no final do século XIX. Aquilo estava no ar. O problema da propagação dos sinais elétricos e da luz em particular, estava literalmente na pauta de muita gente que nem sabia que os seus problemas estavam todos relacionados a uma coisa só.
– Dá para abreviar essa parte?
– Tudo bem! Eu estava apenas querendo discutir como a Relatividade surgiu em suas muitas nuances, mas esse é mesmo um assunto muito extenso. A gente debate em outro momento. O que nos importa é que houve um conflito entre o que dizia a velha e bem conhecida Mecânica com as suas regras de transformação de coordenadas e velocidades e o mais recente e muito promissor Eletromagnetismo. Muitos experimentos apontavam para resultados paradoxais. O experimento de Michelson e Morley, por exemplo, sobre a tentativa de determinar a velocidade da luz em relação ao éter era apenas um deles.

– O que foi que esse tal experimento de Michelson e Morley revelou?

–  Revelou algo supreendente! Revelou que a velocidade da luz não parecia, estranhamente, se compor com a velocidade da Terra deslocando-se através do éter. Isso, quando se usava as tais antigas regras da Mecânica de transformação de coordenadas e velocidades. Por isso, outras regras, ou equações de transformação de referenciais, foram propostas em 1889 por Gerald FitzGerald para dar conta daquele problema. E elas foram corroboradas por Hendrik Lorentz que as deduziu de uma nova Teoria do elétron.

– Então, quer dizer, que o Lorentz resolveu o problema do conflito? Matou a cobra e mostrou o pau?

– Não! Infelizmente não! A danada da cobra continuou viva, ou seja, o conflito ainda permaneceu. O caminho claramente parecia passar pelas tais Transformações de Lorentz-FitzGerald. Mas, de onde aquelas danadas vinham? A solução proposta por Lorentz para responder a essa  questão foi bastante imaginativa; mas, não suficientemente revolucionária, como mais tarde ficaria claro.

– Mas, por que o Lorentz não matou mesmo a cobra?

– Bem, essa "Teoria do elétron" de Lorentz não passava ainda de uma solução “ad hoc”, ou seja, de uma solução construída para contornar um problema, mas que não ia, entretanto, às raízes do mesmo. Supondo um éter imóvel, Lorentz tentou, na verdade, repensar  apenas as bases do Eletromagnetismo, sem alterar radicalmente os fundamentos da própria Mecânica, que lhe parecia mais bem estabelecida. Ele chegou, certamente, a vislumbrar algumas alterações tópicas em conceitos fundamentais da Mecânica; mas estas alterações na Mecânica não passavam mesmo de coisas apenas tópicas; não eram nada que pudesse realmente abalar a aparentemente sólida estrutura da Mecânica.

– Mas, o Lorentz não obteve nenhum sucesso nessa sua tentativa?

– Lorentz até conseguiu deduzir as tais novas equações de transformações de coordenadas do FitzGerald com a sua Teoria do elétron e propor mesmo uma variação real do comprimento de objetos em movimento; mas, sua teoria nunca se mostrou suficientemente explicativa para dar conta do enorme problema do conflito entre o Eletromagnetismo e a Mecânica. A alteração de comprimento de objetos em movimento que ele previu com sua teoria tinha até um valor matematicamente correto, mas era algo "real" que era uma consequência das forças elétricas internas atuantes entre  os menores constituintes da matéria e não "relativa ao referencial", como logo depois o Einstein mostraria ser necessária.

– Quer dizer que foi o Einstein mesmo quem matou essa cobra do conflito entre o Eletromagnetismo e a Mecânica?

– Certamente! O Larmor, por exemplo, chegou a vislumbrar uma possível dilatação do tempo nas ideias do Lorentz, mas não foi suficientemente radical nessa ideia. Nenhum deles jamais cogitou abandonar a  ideia de um  éter como um referencial absoluto e a partir dai questionar as noções mais amplas de tempo e espaço. O Henri Poincaré foi outro que deu também uma contribuição muito importante nesse assunto. Ele chegou bem perto de resolver o problema, ao identificar as Transformações  de Lorentz-FitzGerald como dotadas de uma estrutura matemática de grupo, mas, infelizmente não deu o arrojado salto conceitual necessário, como alguns de seus admiradores franceses e "afrancesados" pensam que tenha feito. Mesmo o próprio Poincaré jamais reivindicou para si os méritos do Einstein, apesar de sempre ter achado que tinha mais méritos a serem reconhecidos nesse assunto do que aqueles que a história lhe concedeu. Mas, definitivamente, foi mesmo Albert Einstein quem fez isso e de um modo radicalmente original.

– Mas, o Einstein conhecia os trabalhos do Poincaré?

– Sim! Einstein leu alguns trabalhos importantes do Poincaré, sem dúvida nenhuma; mas, o caminho por ele traçado para construir a sua Teoria da  Relatividade, ou seja, a sua "heuristica", foi realmente algo completamente original. Apesar do grande valor das tentativas, tanto do Lorentz quanto do Poincaré, para a solução desse problema; a contribuição do Einstein está em um outro patamar bem mais elevado de importância histórica para a ciência. E assim fazendo, Einstein deu uma nova solução para esse terrível problema do conflito entre a Mecânica e o Eletromagnetismo ao criar a sua Teoria da Relatividade Restrita.

– Como assim?

– Einstein fez duas hipóteses ao mesmo tempo simples e tremendamente arrojadas e delas ele sacou uma série de conclusões salvadoras para o problema do conflito entre a Mecânica e o Eletromagnetismo. Aquelas novas regras de transformação de coordenadas e velocidades de FitzGerald-Lorentz que funcionavam bem no Eletromagnetismo podiam ser agora muito facilmente deduzidas em sua nova, revolucionária  e elegante Teoria da Relatividade.
– Professor, eu estou meio atrapalhado já faz tempo. Qual era mesmo esse problema que o Eletromagnetismo enfrentava e que essas tais novas equações de transformações de coordenadas e velocidades podiam resolver?
– É que enquanto as leis da Mecânica mantinham todas elas o mesmo formato matemático ao serem transformadas entre dois referenciais inerciais usando-se as velhas leis de adição de coordenadas e velocidades descobertas pelo Galileu ...
– Desculpe professor, eu sobrei de novo. Que leis são essas?
– Coisas que dizem, por exemplo, que se um carro se move com 50 km/h em relação a uma estrada e você segue em sua cola tentando ultrapassar o mesmo com 80 km/h em relação a essa mesma estrada, a sua velocidade de aproximação é de 30 km/h em relação ao outro carro.
– Mas, isso é trivial, professor. Eu pensei que essas tais regras fossem um negócio complexo.
– Trivial uma ova! Era exatamente assim que todos os físicos pensavam; que aquilo era trivial e por isso mesmo eles encontraram dificuldades com o Eletromagnetismo.
– Por que? Como assim?
– Porque ao aplicarem aquelas velhas equações de transformações de coordenadas e velocidades do Galileu que pareciam triviais na Mecânica, ao Eletromagnetismo, elas causavam sérios problemas.
– Quais?
– As equações do Eletromagnetismo mudavam de formato matemático, ou seja, não eram mais as mesmas, ao se analisar um mesmo fenômeno eletromagnético em dois referenciais que se moviam entre si com uma velocidade constante. Isso era o caos. Mediante o uso das transformações de Galileu, as equações do Eletromagnetismo não se mostravam covariantes.
– O que? Que nome feio foi esse que o senhor falou? Risos ...
– Desculpe! Covariantes. A gente diz que quando o valor de uma certa grandeza física não muda, ele é um invariante e quando o formato matemático de uma equação não muda mediante uma determinada transformação de variáveis, ela é covariante em relação àquela transformação.
– Quer dizer, então, que falando desse modo mais elaborado, as equações do Eletromagnetismo não eram covariantes mediante a aplicação das transformações de Galileu, não é?
– Isso, mesmo! Elas mudavam de formato matemático. E isso parecia horrível, pois as tais transformações de Galileu, como você disse antes, pareciam ser triviais. As novas transformações sugeridas empiricamente por FitzGerald funcionavam, mas pareciam uma conta de chegada, um arranjo meio maluco, mas que funcionava. Mas, de onde aquelas equações esquisistas vinham? FitzGerald não tinha a menor ideia. Mesmo a resposta de Lorentz não parecia muito convincente, com a sua recente teoria do elétron. Foi ai que entrou o Einstein. Ele botou a casa de cabeça para baixo. Começou logo questionado a trivialidade das tais equações de transformação de velocidades de Galileu. Ele refletiu sobre o que era tido até então como algo absolutamente trivial, ou seja, que o espaço era igual para todos os observadores e que o tempo fluía do mesmo modo uniforme e contínuo em todos os referenciais. Afinal, isso estava enraizado na aparente trivialidade das tais equações de transformações de velocidades de Galileu.
– Como foi essa mudança feita pelo Einstein?
– Bem, ele começou pelo final. Ele propôs, logo de cara, que as equações do Eletromagnetismo tinham de ser covariantes, ou seja, que elas não deveriam mudar de formato matemático entre referenciais inerciais; aqueles que se movem entre si com velocidade constante. Era uma exigência estética da Natureza imposta pelo Einstein. E ele foi ainda mais longe ao afirmar que essa exigência de serem as equações covariantes deveria valer para toda a Física, e não apenas para o Eletromagnetismo. Mas, diferentemente de FitzGerald, ele não postulou novas equações de transformação; ele chegou a elas de um modo simples e elegante; mas para isso ele teve de pagar um alto preço.
– Qual preço?
– O preço de ter de reformular dois conceitos até então tidos como “fundamentais” na Física: o conceito de tempo e o conceito de espaço. Einstein notou, de modo extremamente sagaz, que para se comunicar as marcações de tempo entre dois relógios de modo a colocar em pauta a questão da simultaneidade de dois eventos, era preciso pensar na transmissão da informação com a velocidade da luz. Ele então percebeu que ao postular, logo de início, que a velocidade da luz no vácuo era uma constante e também a maior velocidade do Universo, duas coisas resultavam desses dois postulados, ou seja, do postulado da covariância das equações da Física em relação a referenciais inerciais e da constância da velocidade da luz no vácuo.
– Que coisas eram essas que resultavam desses dois postulados?
– Primeiro, que ele de fato, conseguia, deste modo, resolver o conflito do Eletromagnetismo com a Mecânica; e em segundo lugar, que para isso, ao assumir esses dois postulados, era obrigado a tornar os conceitos de tempo e de espaço como dependentes dos referenciais em que estivessem sendo medidos. Era realmente um preço muito alto a pagar, mas que se revelou extremamente frutífero para o desenvolvimento posterior da Física e para a nossa atual compreensão do Universo.
– Como assim? Por que?
– Porque, como Einstein mostrou logo em seguida, esses seus postulados resolviam o grande problema do conflito mencionado e repensavam os conceitos de tempo e espaço, relativizando-os em relação aos referenciais em relação aos quais eles estivessem sendo medidos, mas revolucionava por consequência, também, uma série de outros conceitos, como os de energia e de momento linear.
– E, então?
– Então, a Física não voltaria mais a ser como era antes. As próprias noções de massa e de energia foram relacionadas nessa nova Teoria e passaram de certo modo a serem vistas como os dois lados de uma mesma moeda. No coração de toda essa transformação estava a velocidade da luz.
– Por que essa Teoria de Einstein recebe o nome de Relatividade Restrita?
– Ela pode ser chamada de Restrita ou de Especial, tanto faz; as duas denominações significam a mesma coisa. O nome “Relatividade” refere-se ao fato de que essa nova teoria reformulou os velhos conceitos de Tempo e Espaço, tidos até então como absolutos, ou seja, que não dependiam do referencial em que eram medidos. E o nome de Restrita, ou Especial, se refere ao fato de que ela considera apenas transformações entre referenciais inerciais, ou seja, que se movem entre si com velocidades constantes, sem aceleração. Mas, esse nome de Relatividade é muito inconveniente e o próprio Einstein notou isso e até tentou mudar, mas não teve jeito, pois ele já havia sido consagrado.
– Por que o nome Relatividade é inconveniente?
– Porque ele se refere originalmente à relatividade dos conceitos de tempo e espaço que esta teoria implica ao buscar explicar a necessidade da covariância das leis da Física. Mas, o objetivo central da referida teoria não era esse de relativizar os conceitos básicos de tempo e espaço; Isso foi uma importante consequência da imposição inicial da covariância das citadas leis e da constância da velocidade da luz ano vácuo. E, além disso, esta denominação suscitou um enorme equívoco.
– Qual?
– O enorme equívoco, muitas vezes cometido por leigos e por esses metidos a sabichões muito falantes que são os tais dos pós-modernistas; gente que mistura o gato com o sapato. O equívoco ou mesmo o absurdo de dizer que segundo Einstein “tudo é relativo”. Dizer isso é um horror! É um verdadeiro sacrilégio! É mostrar que o cara não entende nada do que está falando.
– Mas, não é isso, mesmo?
– De forma nenhuma! A Teoria da Relatividade busca justamente dar conta do fato de que as leis da Física não mudam de formato matemático, de sua Covariância. Esse foi, inclusive, o nome que Einstein sugeriu depois, mas que não colou mais.
– E o que é essa tal de Relatividade Geral?
– Ótima pergunta. A resposta vai nos aproximar da tal Energia Escura a que se refere o premio Nobel deste ano de 2011.
– Puxa! Eu já havia me esquecido de que o papo era sobre isso. Pensei que o senhor estava me enrolando. Risos...
– Engraçadinho! Mas, veja só: o Einstein logo percebeu a necessidade de estender a sua teoria de modo a levar em conta a aceleração e de dar conta da Gravitação; coisa que não era abarcada pela Teoria da Relatividade Restrita. Mas, para isso, ele teve de enfrentar terríveis dificuldades matemáticas, pois embora a Relatividade Restrita seja uma teoria bastante revolucionária do ponto de vista conceitual, ela é bastante simples em seu aparato matemático. Já a Relatividade Generalizada ou Relatividade Geral, necessita para sua formulação de uma Matemática bem mais sofisticada que inclui a Análise Tensorial e a Geometria Diferencial.
– Sem querer sair do assunto, professor, o que é mesmo um tensor?
– É um ente matemático, assim como um vetor, que você conhece bem, que indica um certo tipo de transformação matemática de uma coisa em outra e que ...
– Não entendi nada.
– Calma! Deixe-me tentar explicar de outro modo mais fácil. Vamos começar falando dos vetores que você conhece bem. O que é um vetor?
– Que é isso, professor? Quem responde aqui é o senhor. Tá querendo me empulhar?
– Não, homem de Deus! Largue de ser desconfiado e me responda o que eu lhe perguntei para que eu possa tentar ligar a minha explicação com o que você já sabe do assunto.
– Entendi! O senhor está querendo ser construtivista, não é?
– Não, pelo amor de Deus. Longe de mim semelhante bobagem; mas, isso é outro assunto. Outro dia a gente discute esse papo furado de construtivismo.
– “Vixe”, professor! Eu sou construtivista, o senhor não sabia? Lá na minha escola todo mundo se diz construtivista também. Eu agora não gostei, não.
– Olhe, aqui, esse é exatamente o problema: todos na sua escola “se dizem construtivistas”; mas, no dia que descobrirem o que isso quer dizer mesmo em toda a sua extensão, muitos certamente vão mudar de ideia. Isso é um modismo que assolou a educação em ciências e que tem cara de algo revolucionário, mas que no fundo é um enorme equívoco...
– Tá bem! Vamos voltar ao nosso assunto. Mas, outro dia eu quero discutir com o senhor esse negócio do construtivismo. Eu acho muito charmoso me dizer construtivista. Lembra um troço, assim, moderno, revolucionário, que parte do que a gente pensa, que nem o senhor estava tentando fazer ...
– Isso! Que nem eu estava tentando fazer quando você me deu esse rótulo de construtivista. Posso continuar, com o nosso assunto e outro dia a gente conversa sobre isso de construtivismo? Para entender mesmo o que é construtivismo, sem ficar repetindo bobagens como em uma ladainha, temos de diferenciar ele do realismo crítico, por exemplo e de outras coisas assim. Além de entender que existem vários tipos de construtivismos.
– OK! Vamos voltar para os tais tensores que o Einstein usou na construção da sua Teoria da Relatividade Geral para ver se um dia o senhor chega mesmo nessa tal de Energia Escura do prêmio Nobel de Física desse ano.
– Pois bem! Responda-me, agora o que é um vetor como eu havia lhe perguntado quando você veio com esse papo furado de construtivismo.
– Um vetor é uma flecha. É! Como é que eu digo?
– Você é índio? Flecha é negócio de índio. Deixe de tentar me enrolar e me responda logo o que você acha que é um vetor.
– “Vixe”! O senhor tá meio enfezado, não? Deve ter sido o meu papo sobre construtivismo. Olhe aqui: para mim um vetor é um ente matemático dotado de módulo, direção e sentido. Tá certo, agora?
– Não está mal, mas eu prefiro a sua definição anterior como flecha, mesmo. Vamos alargar esse seu conceito. Você pode entender um vetor como uma flecha mesmo que leva de um ponto a outro ponto ou que transforma um ponto no outro. Por isso que você pode pegar as coordenadas de dois pontos no plano, por exemplo, e subtrair os seus respectivos valores. Pega o X de um ponto e subtrai do X do outro ponto; pega o Y de um ponto e subtrai do Y do outro ponto. OK? Você toma as diferenças entre as respectivas coordenadas dos dois pontos. Se um ponto tem uma abcissa de valor cinco e o outro tem a abcissa de valor 2, você faz: 5 – 2 = 3, OK?
– OK! Mas, aonde o senhor quer chegar?
– Quando você faz isso, você obtém uma “coisa” que tem o significado da diferença entre os dois pontos, não é?
– É! E dai?
– Dai que ele é a mesma coisa daquilo que falta a um ponto para ser o outro. Se você pega as coordenadas do primeiro ponto e a elas você soma respectivamente as desse troço, dessa coisa assim obtida e que você chamou de vetor, você obtém, o segundo ponto. É nesse sentido que ele é uma transformação, sacou?
– Entendi. Um vetor transforma um ponto em outro ponto. Transforma as coordenadas de um ponto nas de outro ponto quando se soma um vetor com um ponto. É isso?
– Isso! Não é assim que geralmente lhe explicam, mas é isso mesmo. É outra maneira de ver a coisa usando a poderosa ideia de transformação.
– Agora, considere o caso no qual você tenha um corpo rígido, uma barra de ferro, por exemplo. E você faz uma força em um certo ponto da barra, na sua extremidade, por exemplo. Lá na outra extremidade, em outro ponto do mesmo corpo, aparece consequentemente uma outra força. OK? Você pode até usar essa barra para empurrar um segundo corpo. O que você pode dizer dessa segunda força que surge lá na outra extremidade e que eu posso até utilizar para empurrar um segundo corpo?
– Espera ai. Como é mesmo? Eu faço uma força em uma extremidade de uma barra de ferro e na outra extremidade dessa barra aparece em consequência uma outra força que eu posso até usar para empurrar um segundo corpo. É isso?
– É! O que você pode dizer dessa segunda força na segunda extremidade em relação à força que você exerceu na primeira extremidade?
– É lógico! São iguais. Isso é trivial!
– Trivial, uma ova! Tanto não é trivial que você errou a resposta. Quem lhe disse que a barra está em equilíbrio? Você precisa levar em consideração que a barra tem uma certa massa. É isso que lhe diz a segunda lei de Newton. Se a barra não estiver em equilíbrio, você terá na outra extremidade uma força diferente. OK?
– OK! É aquele negócio que eu faço uma força menos a outra é igual à massa da barra vezes a aceleração da danada. E assim eu acho o valor da outra força que é como se fosse transmitida através da barra na outra extremidade. Essas duas forças têm módulos diferentes, mas têm a mesma direção e sentido. É realmente como se a força houvesse sido transmitida ao longo da barra e tivesse sofrido uma alteração no seu módulo, mas não na direção e nem no seu sentido.
– Isso, mesmo! Então você pode dizer que a segunda força depende da primeira e que cada componente da mesma depende da respectiva componente da outra. A componente no eixo dos X de uma é uma função apenas da componente no eixo dos X da outra e assim por diante para as demais componentes. OK?
– OK! Então isso é a tal da transformação vetorial. Eu transformo um vetor em outro vetor no qual cada componente depende apenas da respectiva componente do outro vetor. E o tensor?
– Bem, considere, agora que em lugar de uma barra de ferro, você tem agora uma barra de geleia. E que você novamente empurra essa barra exercendo uma força em um ponto em uma das extremidades da barra. Nós já sabemos que do outro lado dessa barra, em outro ponto, vai haver uma outra força. OK?
– OK! Mas, professor, a geleia é mole e ao empurrarmos a barra, ela vai se deformar, não é?
– Exatamente! E por isso mesmo a força que surge do outro lado não tem necessariamente a mesma direção e o mesmo sentido da força exercida na primeira extremidade. Mas, elas ainda estão relacionadas uma com a outra. Só que agora essa relação é bem mais complicada. Se no caso da barra de ferro, a componente em X da segunda força só dependia do valor da respectiva componente em X da primeira força e assim por diante, agora a coisa é diferente e mais complexa.
– Como, assim, professor?
– Cada componente da força na outra extremidade da geleia depende das de cada uma das três componentes da força exercida na primeira extremidade. A componente em X da segunda força depende da componente em X da primeira força, mas depende também das duas componentes em Y e em Z da primeira força. E o mesmo de dá para as duas outras componentes da segunda força. Logo ...
– Quer dizer, então, professor, que nesse caso da geleia, a segunda força está ligada à primeira força não por apenas três equações, como no caso da barra de ferro, mas por 3 x 3 = 9 equações?
– Exatamente! E esse tipo de transformação que envolve nove equações não se chama mais de vetorial, mas sim tensorial. O tensor é esse novo ente matemático que como no caso da geleia transforma o primeiro vetor no segundo. Sacou?
– Quer dizer, então, que todas as vezes que eu tiver forças em um meio não rígido, em um meio maleável, eu vou precisar dessas transformações mais complexas, ditas tensoriais?
– Exatamente! Acertou na mosca! E é esse o tipo de Matemática mais complexa e que é conveniente para meios deformáveis, que é necessária na construção da Teoria da Relatividade Geral. O número e a complexidade dessas equações aumentam incrivelmente. Mas, graças a esta Matemática e ao fato de haver considerado que os efeitos produzidos por uma aceleração são idênticos aos efeitos produzidos por um campo gravitacional, foi que Einstein conseguiu construir a sua Teoria da Gravitação, mais conhecida como Teoria da Relatividade Geral.
– Mas, por que a Relatividade Geral precisa dessa Matemática? Ela é não para ser usada mais em coisas do tipo geleia?
– Realmente, essa Matemática é bem adequada para estudar a coisas que se distorcem. A questão é que Einstein ao criar a sua Teoria da Relatividade Geral utilizou a nova ideia de contínuo espaço-tempo que seria algo como o próprio “tecido” do Universo. As deformações desse “tecido”, ou seja, do espaço-tempo, seriam análogas às deformações em superfícies e poderiam criar poços de potencial. A gravidade é vista na Teoria da Relatividade Geral como uma deformação no “tecido” do espaço-tempo. Uma analogia simplista, mas ainda assim um tanto esclarecedora é a de uma superfície de plástico estendida e sobre a qual você coloca uma bolinha de vidro. Se você tomar a superfície por baixo e a puxar por um ponto para baixo, formando algo parecido com um funil de paredes encurvadas, a bola vai sofrer a ação dessa curvatura como uma força agindo sobre a mesma.
– E essa curvatura do espaço-tempo está relacionada de que modo com a massa de um corpo?
Quanto mais massivo for um corpo, tanto maior será a curvatura local no espaço-tempo que o referido corpo poderá causar. E isso afetará a trajetória possível de ser seguida nesta região até mesmo pela luz. O grande físico John Archibald Wheeler, que foi o orientador do Richard Feynman, tinha uma frase muito feliz sobre essa característica da Relatividade Geral. Ele dizia que “a matéria diz ao espaço como se curvar e o espaço diz à matéria como se mover”.



 – Mas, professor, o que é que a Teoria da Relatividade Geral tem a ver com a tal da Energia Escura?

– Tudo! Nós, agora já estamos bem mais perto do nosso assunto do prêmio Nobel deste ano de 2011. Mas, eu posso almoçar, agora? Depois do almoço a gente continua e eu lhe conto a parte que mais lhe interessa dessa história, ou seja, de onde vem a origem dessa tal de Energia Escura e o que é que o velho Einstein tem a ver com isso tudo. E em seguida a gente vê como a coisa evoluiu e chegou aos tempos atuais.
– O senhor quer dizer como essa coisa chegou até o trabalho desses três caras que ganharam o prêmio Nobel deste ano, não é?
– Não! Até os dias atuais, mesmo. Após o trabalho deles. Eles ganharam o prêmio Nobel devido aos seus belos trabalhos de 1998, trabalhos esses que constataram, para surpresa geral naquela época, que a expansão do Universo está se acelerando; mas a Física evoluiu desde então. Nós, afinal, já estamos em 2011. Eles mereceram e muito esse prêmio, mas vamos conversar não apenas até onde eles chegaram; mas também até onde estamos nos dias de hoje nesse assunto. OK?
– OK, professor. Vou engolir correndo o meu almoço e voltar logo.
– Cuidado que apressado come cru. Eu vou comer o meu bem devagar. Depois, eu coloco no meu BLOG a segunda parte dessa nossa conversa de depois do almoço sobre as origens da ideia de Energia Escura até os dias atuais.


PARA CITAR ESTA FONTE: Medeiros, Alexandre. Nobel de Física 2011: Diálogos sobre a Energia Escura (Primeira Parte). Física e Astronomia_Alexandre Medeiros, BLOG.
http://alexandremedeirosfisicaastronomia.blogspot.com/2011/10/nobel-de-fisica-2011-dialogos-sobre_11.html. Acessado em 8 de Outubro de 2011. (atualizar a data)